Torcida argentina na final da Taça Libertadores mostra elo histórico entre Botafogo e River Plate


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Nov 30 2024 6 mins  

Pela primeira vez na Taça Libertadores, dois clubes brasileiros decidem em solo argentino. Mas o que pensam os argentinos, que ficaram de fora da festa? Os torcedores do River Plate, donos da casa, têm um clube brasileiro preferido e uma das razões é um histórico bicampeão da seleção brasileira.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Buenos Aires é alvinegra. O preto e o branco, tanto do Botafogo quanto do Atlético Mineiro, estão nas camisas e nas bandeiras dos torcedores brasileiros que vieram para esta final e que se espalham pela cidade.

Mas o que pensam os argentinos dessa festa completamente brasileira da qual ficaram de fora? E o que pensam especialmente os torcedores do River Plate ao verem uma final brasileira na sua própria casa, o estádio Monumental de Nuñez?

Em frente ao estádio da final, o torcedor Tomás Donaldson, de 36 anos, sócio pleno do River Plate, tem um misto de sentimentos.

“Tenho sentimentos contraditórios por razões óbvias. Por um lado, porque sou torcedor do River e esta é a minha casa. Eu queria a festa aqui. Por outro, como argentino e anfitrião de duas equipes brasileiras, fico feliz que tenham escolhido o nosso país para realizar a final.

Pelo lado do torcedor do River, não gosto nem um pouco porque quero ganhar, porque é futebol e quero que meu time ganhe”, descreve Tomás à RFI. É o que acontece com a maioria dos torcedores do River: nesta final, vão engrossar a torcida do Botafogo.

“Eu torcerei para o Botafogo simplesmente porque o Atlético Mineiro nos eliminou na semifinal. Torço para o Atlético não ganhar e para o Botafogo ganhar”, revela.

Ricardo Ruiz, de 47 anos, é treinador de futebol infanto-juvenil. Não gosta que a final seja entre dois brasileiros em solo argentino.

“Não cai bem. A gente fica com esse ressentimento de pensar como a gente não está nesta final. Mas, enfim, temos de aceitar. A verdade é que, bom, é uma final, são dois brasileiros e pronto. Mas eu gostaria que fosse um brasileiro e um argentino ou dois argentinos, mas paciência”, diz.

Ricardo é torcedor do Boca Juniors, rival do River Plate. O Atlético eliminou o River na semifinal. Em agradecimento por ter tirado o rival da competição, o Atlético ganhou a simpatia de Ricardo. A final entre brasileiros também mexe com a rivalidade interna dos argentinos.

“Torço para o Mineiro. Eu, como torcedor do Boca, o Atlético deixou o River de fora, né? Bom, isto é futebol. Esta é a rivalidade Boca-River. É assim. Isto é futebol. É diversão. Isto é paixão”, interpreta.

Isaac Romero, de 14 anos, torcedor do River, não gosta nem um pouco de ter uma final entre brasileiros na Argentina. Desde 2019, todos os campeões da Libertadores são times brasileiros.

“Isso me cai mal porque já são vários anos de brasileiros disputando finais. Por outro lado, na semifinal, o Atlético Mineiro deixou o River de fora. Vou torcer pelo Botafogo porque eu quero que levantem a sua primeira Libertadores”, afirma.

Didi, o elo entre o Botafogo e o River Plate

O Botafogo tem ao seu lado os donos da casa, a torcida do River Plate. Porém, a razão para essa torcida emprestada a favor do Botafogo não é apenas uma espécie de vingança porque o Atlético eliminou o River da disputa.

A outra razão é histórica e atende pelo nome de Waldir Pereira, o Didi.O bicampeão mundial pela seleção brasileira é a ponte entre o Botafogo e o River Plate. Didi jogou pelo time carioca primeiro entre 1956 e 1959; depois, entre 1961 e 1962. O Botafogo foi o clube pelo qual mais vezes jogou.

Ao lado de Garrincha, Nilton Santos, Zagallo, Gérson e Amarildo, marcou 114 gols em 313 jogos. E, como técnico, Didi foi treinador justamente aqui, no River Plate, entre 1970 e 1972, onde teve uma efetividade de 61,62%. Dirigiu o River em 99 partidas, obtendo 47 vitórias, 28 empates e 24 derrotas. Foram 172 gols a favor e 128 contra.

Marca na história do futebol argentino

Didi deixou uma marca na história do clube e tornou-se referência no futebol argentino. Descobriu talentos das divisões inferiores que foram a base do River Plate campeão de 1975, depois de 18 anos de jejum. Os juvenis escolhidos por Didi tornaram-se ídolos emblemáticos, como explica à RFI o pesquisador Osvaldo Gorgazzi, vice-presidente do Museu do River Plate.

“A importância histórica de Didi baseia-se no fato de ele ter chegado num momento muito difícil para o River, mas deixou as bases do futuro campeão. Isso faz com que os torcedores do River fiquem sempre gratos pela passagem de Didi na Argentina”, afirma Gogazzi, enquanto exibe os arquivos de Didi, cuidadosamente guardados pelo River.

Didi não falava espanhol, mas exigia que “jogassem bonito”. Queria toques de primeira, tabelas rápidas e criativas. Acabou instalando uma filosofia de jogo e a expressão, em português, “jogo bonito”, incorporada ao léxico futebolístico argentino.

“Didi também deixou dois conceitos que ainda hoje se repetem. Belo futebol, que é justamente algo que faz parte do estilo do River. E o “Folha Seca”, uma cobrança de falta na qual a bola faz movimentos muito curiosos, que o torcedor gosta de ver porque é como se estivesse vendo uma obra de arte porque o futebol, no final das contas, também é uma obra de arte”, traduz Osvaldo Gorgazzi.

Também pesquisador e membro da Comissão do Museu do River, Oscar Corletti, detalha à RFI que os juvenis de Didi foram nomes como os meio campistas Norberto ‘Beto’ Alonso, ‘Mostaza’Merlo e Juan José ‘JJ’ López, que, juntos com o goleador Carlos Morete, trouxeram uma década de glórias para o River Plate.

Cantiga para Didi

Oscar Corletti tinha 13 anos quando via os treinamentos daquele River de Didi. O brasileiro ensinava o chute “Folha Seca” e como bater com efeito para desviar de uma barreira feita de madeira. Foram todas inovações para a época.

Em 1971, ganhou do rival Boca Juniors, por 3 a 1. O time do River era de desconhecidos juvenis contra profissionais consagrados do Boca. O baile foi tanto que a torcida criou uma cantiga especial para Didi: “Toco para você, passa para mim. Esta é a equipe do Didi”.

“Didi soube unir muito bem o estilo de futebol elegante do River com a cultura do futebol brasileiro. A partir desse jogo, a torcida criou essa cantiga para ele”, recorda Oscar, presente no estádio nesse dia.

Oscar vai torcer pelo Botafogo, time que viu jogar num quadrangular em Buenos Aires em 1964. O Botafogo ganhou do River por 4 a 3, mas Oscar, com 7 anos de idade, ficou encantado com os brasileiros, apesar da derrota do River.

“Eu prefiro que o Botafogo ganhe porque depois de tê-lo visto jogar em 64 no River, adorei como o Garrincha e o Gerson jogavam, e a partir daí foi como se eu simpatizasse, não só com a camisa, mas com o estilo de futebol deles”, aponta, sintetizando um sentimento predominante de toda uma geração em torno da estrela solitária.