A esquerda e a extrema-direita francesas apresentaram nesta segunda-feira, 2 de Dezembro, uma moção de censura contra o Governo de Michel Barnier, depois de o primeiro-ministro ter aprovado a Lei do Financiamento da Segurança Social com o recurso ao artigo 49.3, artigo que permite contornar o voto na Assembleia Nacional. A aprovação desta moção de censura pode significar a queda do executivo de Michel Barnier, um cenário que pode agravar ainda mais a crise financeira do país, defende o economista Pascal de Lima.
RFI: Quais são as consequências para a França de ficar, neste momento, sem Governo?
Pascal de Lima, economista: Sem um Governo funcional, a França vai enfrentar um vazio de liderança e uma paralisia política, o que pode agravar a crise económica. E isso inclui também a incapacidade de implementar políticas a longo prazo, gerir a crise e aprovar o orçamento. É claro que a confiança dos mercados internacionais também pode cair, aumentando o custo de financiamento e deteriorando ainda mais a situação económica.
Nos mercados, a taxa de financiamento da França ultrapassou, pela primeira vez, a da Grécia. Concretamente o que é que isso representa?
Quando a taxa de financiamento de um país ultrapassa a de outro, como foi o caso da Grécia, que é um país muito fraco, significa simplesmente que os investidores consideram o risco associado à dívida desse país melhor. Portanto, isso reflecte uma deterioração da confiança na capacidade da França de gerir a sua trajectória orçamental, podendo levar também a um efeito dominó. Isto significa que os custos dos empréstimos aumentam para o Governo, mas também para as empresas e, provavelmente, para os cidadãos.
Ou seja, com esta situação, a imagem do país poderá degradar-se ainda mais?
A imagem da França pode degradar-se ainda mais, especialmente se a crise política e económica não for resolvida rapidamente. Uma situação de instabilidade política tem impactos negativos para a estabilidade económica.
Num cenário onde a França se encontra sem Governo, fica sem orçamento. Quais são os riscos?
Sem o orçamento aprovado, o país não pode alocar fundos para certos serviços essenciais. Não todos, claro, mas, os agricultores, por exemplo, podem enfrentar atrasos nos subsídios necessários para a manutenção da sua actividade. Certas ajudas destinadas à habitação podem ser suspensas e alguns programas sociais ou investimentos públicos também podem ser interrompidos.
Mas não há o risco de os funcionários ficarem sem salário?
Não, não há risco de os funcionários ficarem sem salários. Isso não é possível na Constituição Francesa, nem na jurisdição dos orçamentos públicos.
Marine Tondelier, líder do partido os Verdes, afirmou recentemente que o Orçamento de 2024 era melhor do que o orçamento de 2025. De acordo com o presidente do Tribunal de Contas, Pierre Moscovici, a França tem actualmente 3,2 mil milhões de euros em dívidas, 110% do PIB em termos de dívida pública e um peso da dívida de 70 mil milhões de euros. Este orçamento era o possível para a França face à situação económica do país?
O orçamento proposto parece ser um dos mais realistas. Dentro das limitações financeiras actuais, com uma dívida de 110% do PIB e custos anuais de serviço da dívida de 70 mil milhões de euros, a França não tem grande margem de manobra.
Portanto, esses ajustes fiscais adicionais, os cortes orçamentais, são necessários no modo quantitativo. A grande questão agora é perceber se não haverá possibilidade para ser mais eficaz nas despesas públicas e talvez cortar um pouco mais, mas para gastar melhor.
Na eventualidade de ser nomeado um primeiro-ministro de esquerda, acredita que será capaz de fazer aprovar um orçamento?
É improvável que um primeiro-ministro de esquerda consiga aprovar um orçamento. O actual clima de polarização política e a composição da Assembleia Nacional não permite isso e qualquer tentativa dependeria de concessões significativas a alianças, o que também poderia resultar num orçamento ainda mais difícil de implementar, dado das restrições financeiras que acabamos de evocar.
Na semana passada, o vice-presidente do partido de extrema-direita -União Nacional- Sebastian Chenu, convidou o Banco Central Europeu a proteger o sistema financeiro da França se tudo correr mal. Uma afirmação um pouco caricata para um partido que queria sair do euro até 2019.
Sim, claro! Na minha opinião, a França e a Europa vivem um grande período de resiliência. E talvez essa possibilidade de intervenção do Banco Central Europeu, essa possibilidade de sair da zona euro, representam um período forte de resiliência para a França e um período ideal para reconstruir totalmente uma Europa política.
Muitas das exigências feitas pela União Europeia começam a revelar-se irreais, impraticáveis?
Irreais, impraticáveis, com desigualdades Norte-Sul, com uma maioria qualificada para decidir também uma política proteccionista para a França, para os interesses diversos dos países da Europa. Eu acho que vivemos período único na história económica e [devia ser aproveitado] para construir uma nova Europa.
E quais é que seriam as bases dessa Europa?
Primeiro, uma Europa política, a mais importante, porque temos aqui um proteccionismo internacional contra a Europa, devendo decidir sobre certas barreiras tarifárias para enfrentar essas dificuldades. Hoje não temos essa Europa política e reitero que vivemos o período ideal para reflectir sobre a possibilidade de uma [nova] Europa política.
A crise económica da França pode ser resolvida com a demissão do presidente Emmanuel Macron?
A demissão de Macron não resolveria a crise económica. A situação é também conjuntural. Claro que é estrutural dentro da França, mas é também conjuntural. A situação actual é também o resultado da guerra na Ucrânia, das tensões geopolíticas, da conjuntura económica global , de uma dívida acumulada ao longo de certas décadas, associada a uma situação internacional difícil e anos de uma gestão um pouco complicada. Na minha opinião, a resolução da crise exige reformas estruturais profundas, consenso político, que vai além da figura do Presidente Emmanuel Macron.
Então, na sua opinião, esperam-se anos de austeridade?
Sim!