O festival Regards Satellites realizado em Saint Denis, na região parisiense, destaca em sua terceira edição o cinema periférico brasileiro. De 29 de janeiro a 9 de fevereiro serão exibidos filmes de vários países e realizados debates e encontros com cineastas, com o objetivo de fomentar linguagens inovadoras de cinema.
O festival Regards Satellites (Olhares Satélites, em tradução livre) começou quarta-feira (24) com a exibição do longa "A cidade é uma só?" (2013) do cineasta brasileiro Adirley Queirós, precedido pelo curta "O cinema acabou" (2024), do diretor paulistano Lincoln Péricles.
Queirós é conhecido por filmes como "Mato seco em chamas", realizado com Joana Pimentel, premiado no Festival Cinema du Réel, em Paris, e parte da seleção oficial da Berlinale, em 2022.
Exibido na abertura do festival, "A cidade é uma só?", primeiro longa de Queirós, retrata a criação da Ceilândia, bairro onde o diretor cresceu e onde ainda vive. A cidade-satélite do Distrito Federal, que inspira toda a obra do cineasta, foi fundada, na década de 1970, dentro da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), projeto implementado para retirar trabalhadores pobres que se instalaram no entorno de Brasília. Um processo histórico pouco conhecido, exposto pelo filme que mistura documentário e ficção.
“Eu acho que as periferias de Brasília, durante muito tempo, foram, obviamente, afastadas do processo, assim como no Brasil todo. Não só Brasília”, diz o cineasta, observando que o interesse por um cinema feito na periferia ou com essa temática é recente. “Na verdade, isso tem menos de 20 anos [...] O processo do cinema periférico brasileiro foi crescendo aos poucos”, analisa.
Linguagens inovadoras
O festival Regards Satellites tem o objetivo de fomentar linguagens inovadoras de cineastas independentes, como explica Claire Allouche, uma das curadoras do evento e especialista em cinemas brasileiro e argentino contemporâneos.
“A ideia é de não pensarmos que estamos nos confins do mundo. O problema da palavra periferia é que às vezes dá a sensação de que cineastas periféricos, ou de lugares periféricos, sempre vão estar do lado do centro. E a ideia não é essa”, explica. “Claramente a proposta do festival é de revalorizar as potências das periferias e de reivindicar a palavra periferia como outro centro”, diz.
“Eu acho que esse é o cinema contemporâneo”, diz Adirley Queirós. “A importância é muito grande. Primeiro pelas pessoas que estão envolvidas na coordenação do festival, pelos temas que são abordados, pelas pessoas que circulam por aqui. São várias periferias do mundo que estão aqui”, diz, destacando que o evento abre espaço para a posição política, mas também para questões estéticas.
“Pouco se fala sobre a estética do cinema periférico. Eu acho que é o mais importante, na verdade. A estética é, hoje em dia, muito mais do que a formalidade, muito mais importante do que o conteúdo”, defende o cineasta. “O conteúdo pode ser abordado de várias maneiras, mas essa ideia de um cinema periférico mundial, que entra com a nova possibilidade de estética, é bem diferente”, afirma.
“Oscar é um desserviço”
Adirley Queirós é crítico sobre a importância dada no Brasil ao Oscar. “Acho que o Oscar é um desserviço para a gente. O que o Oscar representa é, na verdade, um processo colonial muito forte. Você pensar que a gente está envolvido num processo de legitimar a indústria americana, sendo que a indústria americana historicamente foi perversa contra a gente”, lamenta.
“Eu acho que, obviamente, o Walter Salles e o filme dele têm uma importância, mas o Oscar não tem importância nenhuma para mim”, acrescenta.
Outro cineasta brasileiro com filmes exibidos durante o festival é Lincoln Péricles. Esta será a primeira vez que suas obras são apresentadas na França. Natural de Capão Redondo, comunidade periférica da capital paulista, o realizador ficará em residência em Saint-Denis entre janeiro e abril.
Além disso, com Adirley Queirós, Lincoln Péricles realiza uma masterclass na segunda-feira (3). Em fevereiro, o paulista realiza a programação de filmes de várias “quebradas” do Brasil, dentro do projeto da diretora franco-senegalesa Alice Diop, La Cinémathèque idéale des banlieues du monde (A Cinemateca ideal das periferias do mundo), realizado conjuntamente pelos Ateliers Médicis (centro que acolhe artistas do mundo inteiro e de todas as áreas em residência) e o Centro Georges Pompidou. Alguns desses filmes serão acessíveis on-line.
O Regards Satellites também vai exibir o filme “Malu”, de Pedro Freire, “Baby” de Marcelo Caetano e longas de diretores poloneses, franceses e americanos.