Mar 26 2025 8 mins 1
Os Estados Unidos anunciaram esta terça-feira, 25 de Março, um acordo entre a Rússia e a Ucrânia para um cessar-fogo marítimo no Mar Negro, após negociações na Arábia Saudita. O Kremlin condiciona o cessar-fogo ao fim das sanções ocidentais sobre cereais e fertilizantes russos. Apesar de a Casa Branca celebrar o acordo, não há garantias de uma trégua efectiva, uma vez que a Rússia continua os ataques terrestres. Sandra Dias Fernandes, especialista da Rússia ligada à Universidade do Minho, afirma que embora este acordo represente "um passo diplomático", não prevê "garantias de segurança".
RFI: Quais são as motivações da Rússia ao condicionar o acordo de cessar-gogo ao fim das sanções. Trata-se de uma estratégia para ganhar tempo ou de uma tentativa de enfraquecer a posição ocidental?
Sandra Dias Fernandes: De facto, devemos olhar para este aparente resultado negocial no contexto da pressão exercida pela diplomacia da administração norte-americana, liderada por Donald Trump, sobre um cessar-fogo ou, pelo menos, sobre a redução das hostilidades. Temos visto tanto a Rússia como a Ucrânia a tentar não desagradar à diplomacia de Trump e, ao mesmo tempo, não há qualquer alteração na grande desconfiança mútua que existe entre russos e ucranianos.
Este é um passo, mas, como sublinhou, não é um passo concreto do ponto de vista da sua implementação. Acontece precisamente neste contexto: dar a Trump a possibilidade de dizer que está a liderar um processo negocial que está a avançar. Mas, ao mesmo tempo, este aparente acordo — ou, pelo menos, a intenção de realizar um acordo — não tem quaisquer garantias de segurança. Ou seja, não há qualquer sanção ou consequência prevista caso uma das partes viole o acordo após a sua entrada em vigor.
As condições que a Rússia coloca são, na verdade, as mesmas que levaram ao fim do chamado "Acordo dos Cereais", que vigorou entre o verão de 2022 e o verão de 2023. Esse tipo de acordo já existiu e, aliás, foi um processo bem conduzido diplomaticamente, pois conseguiu pegar num tema em que era possível apresentar resultados, uma vez que já tinha sido praticado no passado: a liberdade de navegação no Mar Negro para que o comércio de cereais pudesse decorrer com mais normalidade.
Apesar de a Rússia se ter retirado do acordo dos cereais, no qual a Turquia e as Nações Unidas actuaram como mediadores na altura, os navios ucranianos têm conseguido circular. Ou seja, tem havido capacidade militar para proteger os navios e permitir a sua circulação. Contudo, apesar do sinal político que este novo acordo representa, não há qualquer perspectiva de concretização efectiva, até porque as exigências russas são muito elevadas. A Rússia quer o levantamento de sanções e alega restrições que já tinha alegado em 2023, mas que não estão provadas como existentes de facto. Este é um sinal muito duvidoso.
Como é que a União Europeia e outros países ocidentais devem responder a esta negociação? Ceder às exigências russas pode abrir um precedente perigoso?
Eu não diria que se trata de um precedente perigoso, mas sim de analisar as condições que estão em cima da mesa e que possam pressionar a Rússia a cessar as hostilidades e a entrar em compromissos para um cessar-fogo.
Se retirarmos elementos que são essenciais para pressionar a liderança russa — nomeadamente sanções que limitam a sua capacidade de obter recursos financeiros e materiais para conduzir esta guerra — então, obviamente, estaremos a dar vantagens ao lado russo. O levantamento das sanções representaria uma alteração significativa nas relações de força, algo que a administração Trump já veio modificar, de forma considerável, em desfavor dos ucranianos.
Qual é o papel que os Estados Unidos estão a desempenhar neste processo? A administração de Donald Trump está a agir mais a favor da Rússia do que da Ucrânia, como sugerem alguns analistas ?
Não se trata apenas de uma sugestão de analistas, mas sim de analisar os factos. A administração americana normalizou as relações com a Rússia e iniciou um processo de finalização da guerra na Ucrânia que não impõe qualquer condição ao lado russo.
Mais do que isso, se ouvirmos as palavras do enviado especial de Trump, Sr. Whitcoff, que é um amigo pessoal do Presidente Trump e não um diplomata de carreira, percebemos claramente esta tendência. Numa entrevista que deu há poucos dias à Fox News, ficou evidente que a actual administração americana apropriou-se do discurso da propaganda russa sobre o conflito ucraniano. Ou seja, tem adoptado a perspectiva russa que levou à invasão da Ucrânia e que legitimiza as acções de Moscovo no território ucraniano.
Neste momento, a administração americana tem um claro pendor pró-russo, não assumindo uma posição de neutralidade nem defendendo os princípios internacionais de soberania, não agressão territorial ou de não alteração de fronteiras pelo uso da força.
Que impacto pode ter a cimeira europeia em Paris nas negociações de paz para a Ucrânia que vai decorrer amanhã na capital francesa. A Europa conseguirá afirmar uma posição autónoma ou continuará a seguir a linha estratégica dos Estados Unidos?
A Europa já se posicionou claramente, nomeadamente através de um novo programa político e económico: o programa "Rearmar Europa", anunciado há cerca de duas semanas.
O papel da Europa tem sido fundamental para evitar que a Ucrânia entre em isolamento diplomático. Havia esse risco, mas Zelensky tem sido hábil em manter o diálogo com os americanos, mesmo após o incidente na Casa Branca, no encontro presidencial de 28 de Fevereiro.
Os europeus estão a preparar-se para desempenhar um papel activo na implementação do cessar-fogo, garantindo a segurança da Ucrânia. O que ainda não está claro é o peso efectivo que conseguirão ter na definição dos termos do cessar-fogo. No entanto, o facto de a Europa estar a organizar-se para desempenhar um papel central nesse processo já é um sinal evidente da sua vontade de acção.
Se esse acordo não for implementado devido às condições impostas por Moscovo? Quais podem ser as possíveis consequências para as futuras negociações de paz?
A sua questão é difícil de responder porque os acontecimentos internacionais têm evoluído a um ritmo acelerado e há transformações profundas nos alinhamentos geopolíticos.
A única resposta possível neste momento é que tudo dependerá do tipo de apoio que a Ucrânia continuar a receber para resistir à invasão russa e também do apoio que a própria Rússia continuar a obter para manter o seu esforço de guerra.
Infelizmente, o cerne da questão parece centrar-se na Europa e no risco de um escalamento da guerra no continente.