As fake news, que se espalharam rapidamente nas redes sociais, estão na origem da onda de violência anti-imigração que sacudiu o Reino Unido no início do mês de agosto. Os protestos aconteceram após o assassinato de três meninas a facadas, no noroeste da Inglaterra.
Flávio Aguiar, analista político
No último dia 29 de julho, por volta do meio-dia, na cidade de Southport, no noroeste da Inglaterra, um jovem de 17 anos irrompeu numa festa infantil numa escola de dança e ioga, organizada por uma de suas professoras. Armado de faca, o jovem provocou a morte de três crianças, de 6, 7 e 9 anos, feriu outras oito e mais dois adultos que tentaram protegê-las, inclusive a professora que organizara o evento.
A polícia e ambulâncias acorreram em minutos. Preso em flagrante, o jovem foi identificado como Axel Rudakubana, de 17 anos, cidadão britânico, filhos de pais vindos de Ruanda, na África. Como se tratava de um menor de idade, por motivos legais a polícia não divulgou imediatamente sua identidade.
Na sequência, as especulações mentirosas começaram a circular nas redes sociais.
Em 24 horas, proliferaram 27 milhões de acessos a uma mensagem que identificava o suspeito como muçulmano (o que não era verdade) e dava-lhe um falso nome. Outras mensagens o identificavam como um refugiado ilegal, que chegara à Inglaterra de barco, em busca de asilo.
“Influencers” e um site identificado como Channel3Now (que depois se desculparia) disseminaram rapidamente tais mensagens. Um destes “influencers” bradava que “a alma do homem ocidental se dilacera quando invasores matam suas filhas”.
Uma outra mensagem - gerada por Inteligência Artificial - punha em cena na plataforma X (antigo Twitter), a imagem de alguns homens que vestiam trajes supostamente muçulmanos, armados de facas, perseguindo uma criança, tendo o Parlamento Britânico ao fundo, com os dizeres “precisamos proteger nossas crianças”.
Protestos violentos anti-imigrantes
De imediato, em Southport, uma multidão passou a atacar uma mesquita, entrando em confronto com a polícia. Segundo fontes policiais, o protesto foi insuflado por pessoas que não moravam na cidade. Ataques contra mesquitas e centros de acolhimento de refugiados e imigrantes se espalharam por diversas cidades da Inglaterra, inclusive as populosas Londres e Manchester.
O caso chamou a atenção de pesquisadores sobre a relação entre grupos extremistas, sobretudo de extrema direita, e o uso da Inteligência Artificial.
Pesquisadores do Middle East Media Research, dos Estados Unidos, chamaram a atenção para seu relatório que mapeia dezenas de casos semelhantes. O relatório mostra que tais grupos, valendo-se de ferramentas da Inteligência Artificial, gravam as vozes e as imagens de artistas, políticos e outras pessoas famosas. Depois disseminam mensagens falsas como se fossem deles, afirmando a supremacia branca e atacando negros, muçulmanos e judeus.
Segundo o pesquisador do grupo NETLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, grupos extremistas de direita disseminam mensagens com instruções que chegam até a ilustrar a fabricação de armas e explosivos, sempre com o uso de ferramentas da Inteligência Artificial. Na América Latina os alvos preferenciais de tais mensagens têm sido o México, a Colômbia, o Equador e a Argentina.
Os pesquisadores do tema chamam a atenção para o fato de que este uso da Inteligência Artificial também se dissemina entre organizações terroristas como o Estado Islâmico e a Al Qaïda.
Na Inglaterra, os ataques arrefeceram depois que grandes manifestações antirracistas tomaram as ruas de dezenas de cidades britânicas. Pesquisas mostraram que 85% da população rejeitava a violência. Entretanto, 42% dos entrevistados reconheciam a legitimidade de manifestações com aquelas motivações, desde que fossem pacíficas.