Na reta final antes das eleições presidenciais americanas, os rumos da maior economia do planeta impactam o Brasil, que tem nos Estados Unidos o seu segundo maior parceiro comercial. Os fluxos internacionais de investimentos e as taxas de juros e de câmbio também são influenciados diretamente pelo que acontece no país, que em 5 de novembro vai escolher entre a continuidade, representada pela democrata Kamala Harris, ou a volta do republicano Donald Trump à Casa Branca.
Lúcia Müzell, da RFI em Paris
Na política, dois projetos antagônicos se enfrentam nas urnas. Na economia, nem tanto: os dois candidatos pretendem estimular a atividade econômica, uma por meio mais gastos públicos, com transferência de renda e estímulos para setores como a inovação e a sustentabilidade, e o outro por cortes de impostos em favor das empresas.
A maior diferença é que Donald Trump assume o viés protecionista do seu programa de governo: planeja impor taxas pesadas sobre determinadas importações, que chegariam a até 60% sobre os produtos fabricados na China. No seu primeiro governo, o republicano lançou uma guerra comercial com o concorrente asiático e adicionou 25% de sobretaxas às mercadorias chinesas.
Um eventual segundo mandato Trump tende a ser ainda mais protecionista, avalia Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, em São Paulo – e o Brasil estaria à mercê das consequências indiretas dessas medidas:
“Tem estudos que mostram que o crescimento da economia chinesa poderia reduzir 2 pontos percentuais. Qualquer coisa que aconteça com a China acaba tendo impacto sobre países emergentes exportadores de commodities”, afirma. “Eu acho que por conta desse aspecto específico, a Kamala Harris seria mais favorável para o Brasil”, avalia Leal.
Comércio bilateral
O impacto direto na relação bilateral é menos claro. Os Estados Unidos são o segundo principal destino das exportações brasileiras, incluindo alguns itens industrializados como aço e laminados, que já foram alvo de alta de tarifas alfandegárias no primeiro governo Trump. Mas se novas medidas se concentrarem na China, poderia haver espaço para aumentar a participação brasileira no mercado americano, atualmente de apenas 1,2%, segundo números da ApexBrasil (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos).
Em 2023, a corrente de comércio foi de quase US$ 75 bilhões – valor que representa uma pequena fração das transações americanas, de mais de US$ 7 trilhões. “O Brasil está longe de ser um parceiro super-relevante para os Estados Unidos. Antes do Brasil, é muito mais importante China, Europa, México, Canadá, países do lado dos Estados Unidos”, destaca o economista William Castro Alves, estrategista- chefe da corretora Avenue, em Miami. “Muito se fala que o Trump pode ser ruim e a Kamala pode ser mais favorável, mas dentro da pauta dos candidatos, seja quem quer que seja e mesmo se for o Trump, o Brasil não está na prioridade. Quando o Trump fala em ‘make America great again’, ele está muito mais se endereçando à China e ao próprio México”, lembra.
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O Brasil vende principalmente matérias-primas como petróleo bruto, ferro e aço, café e celulose, além de aeronaves, e compra dos Estados Unidos produtos industriais e relacionados à energia, como combustíveis refinados e gás natural, ou ainda fertilizantes. Também importa aeronaves e instrumentos médicos.
Os americanos são, há mais 10 anos, os principais investidores estrangeiros no Brasil, responsáveis por um quarto do total de investimentos estrangeiros diretos no país. Uma vitória de Kamala Harris tende a manter este status quo, nota Luís Otávio Leal.
“Ela caiu meio de paraquedas na campanha. Eu acho que só mais do meio para o final do mandato é que ela imprimiria uma marca mais personalista dela, e a gente não sabe qual seria”, pontua o economista-chefe da G5 Partners. “Ela foi uma vice-presidente apagada e a gente realmente não sabe o que ela pensa em relação à economia, ao comércio exterior.”
Mercados se preparam para qualquer cenário
Quanto aos mercados financeiros, o aumento das incertezas ligadas a uma vitória de Trump poderia gerar um movimento de fuga de capitais dos Estados Unidos que, em tese, beneficiaria outros países e potencialmente o Brasil. A desvalorização do dólar, que se estabilizou há meses em um patamar elevado em relação ao real, seria um dos efeitos possíveis.
Entretanto, se o republicano for eleito e concretizar o projeto de desregulamentação da economia e diminuição massiva de impostos, o efeito seria o oposto: os Estados Unidos poderiam atrair ainda mais capital externo. Leal salienta que as políticas protecionistas e o endurecimento do combate à imigração tendem a impulsionar a inflação no país, o que também não é bom para o Brasil.
“Se você tem menos espaço para a redução dos juros pelo Fed [Banco Central americano], tem menos dinheiro circulando na economia mundial e, consequentemente, sobra menos dinheiro para o Brasil”, ressalta.
William Castro Alves observa que a fraca volatilidade das bolsas americanas nestas semanas precedentes à eleição ilustra que a vitória de um ou de outro parece já estar assimilada pelos mercados financeiros. A experiência do primeiro governo Trump mostrou que, na prática, não é tão fácil para o líder republicano cumprir suas promessas, principalmente se não puder contar com apoio do Congresso.
“Esse ano já sendo atípico neste sentido: a volatilidade está baixa em ano eleitoral, e normalmente é alta. Em cenário de volatilidade e incertezas, normalmente a bolsa não rompe máximas históricas, ela fica para cima e para baixo, chacoalhando – e também não estamos vendo isso”, frisa Castro Alves.