A Sorbonne, criada no século 13 e uma das universidades mais antigas do mundo, celebra em 2024 a cátedra de História do Brasil, com uma homenagem especial aos professores Katia de Queirós Mattoso (1931-2011), Luiz Felipe de Alencastro e Laura de Mello e Souza, que a conduziram durante as últimas quatro décadas. Criada em 1988, a disciplina formou gerações de brasilianistas e transformou o olhar crítico de se pensar a historiografia brasileira a partir da Europa.
A criação da Cátedra de História do Brasil na Sorbonne, na década de 1980, foi um marco emblemático no aprofundamento do debate de ideias e na disseminação do conhecimento sobre a historiografia brasileira na França e em toda a Europa.
Presente durante a cerimônia de abertura da homenagem na Sorbonne, em Paris, o ministro André Dunham Maciel, representante da Embaixada brasileira na capital francesa, lembrou que a disciplina se tornou uma "referência internacional, ao longo de seus 40 anos de existência". "Os brasilianistas desempenham um papel essencial na desconstrução de estereótipos sobre o Brasil e no desenvolvimento de pensamento crítico sobre a realidade brasileira", destacou Maciel em seu discurso na Sorbonne.
Em declaração à RFI, o embaixador Ricardo Neiva Tavares sublinhou que "a cátedra de História do Brasil na Sorbonne reflete o interesse da França pela nossa história e tem sido central na formação de especialistas e no intercâmbio acadêmico entre os dois países". "Hoje, as relações entre o Brasil e a França estão em momento muito positivo, impulsionadas pelos encontros entre os presidentes Lula e Macron, e pelos preparativos do ano cultural 2025, que celebrará 200 anos de nossas relações diplomáticas", enfatizou Tavares.
Coerência
Primeira mulher do mundo a receber, em 2024, o prestigioso Prêmio do Comitê Internacional de Ciências Históricas, a historiadora Laura de Mello Souza falou sobre a genealogia do ensino dessa cátedra ao longo de décadas, e a coerência de sua abordagem.
"Eu vejo até uma linha de continuidade, porque a Katia de Queirós Mattoso sempre se preocupou com aspectos das camadas ditas subalternas", lembra a pesquisadora, historiadora e escritora brasileira. "Ela tem um livro importante, Être esclave au Brésil (Ser escravo no Brasil), que foi publicado antes na França do que no Brasil. E ela fez demografia, ela fez uma história também das elites. Ela também organizou vários colóquios mesmo antes de eu ser professora aqui na Sorbonne", conta a historiadora. Mattoso, autora de dez livros, vários deles sobre a sociedade baiana no século 19, faleceu em Paris, em 2011.
"Desde os anos 1990, eu frequento essa cátedra na forma de seminários, colóquios e tenho uma relação antiga com a com a Katia. Nesse sentido, quer dizer, o Luiz Felipe (Alencastro) recupera a questão da escravidão. Ele é um dos maiores historiadores do assunto", ressalta. "Comecei minha carreira trabalhando com grupos socialmente desclassificados e continuei com isso através de documentação da inquisição. Isso sempre foi uma preocupação. Talvez, as metodologias, as preocupações centrais das historiografias tenham se alterado, mas no que diz respeito à cátedra, acho que há um denominador comum, uma linha que diz respeito a essa preocupação com uma história social e cultural", conclui Mello e Souza.
Laura, assim como outros historiadores, ressalta a importância de desmistificar o olhar estrangeiro sobre o Brasil. "Eu acho que esse é um esforço nosso de mostrar como há uma continuidade no ensino dessa cátedra, de conflito, de violência em uma sociedade escravista e marcada pela escravidão, como é o caso da sociedade brasileira. Ela é indelevelmente destinada à violência. Essas marcas da sociedade escravista estão presentes na desigualdade social imensa que há no nosso país, na criminalidade e na violência cotidiana", afirmou a historiadora, professora na Sorbonne e na Universidade de São Paulo.
Historiografia brasileira
A historiadora francesa e organizadora do colóquio que homenageou a cátedra de História do Brasil na Sorbonne, Charlotte de Castelnau-L’Estoile, que hoje dirige a disciplina, falou sobre a atuação da França na produção de uma historiografia brasileira.
"Também se tornou importante para nós existirmos, nos misturarmos, apresentarmos ideias, e acho que, em um contexto anglo-saxão totalmente dominante, a França agora também tem um papel a desempenhar na preservação de uma forma de herança que tem sido importante sobre a historiografia brasileira", afirmou. "Há muita reflexão sobre o Brasil aqui, e tenho até amigos portugueses que acham que se fala mais sobre o Brasil na França do que em Portugal. Portanto, essa tradição existe e acho que é importante", destacou.
Segundo informações da Embaixada Brasileira em Paris, a França é hoje um dos principais parceiros científicos e universitários do Brasil. Dados oficiais mostram que existem atualmente mais de 5.600 estudantes brasileiros em território francês. Os dois países contam com mais de 1.300 acordos universitários bilaterais em atividade.