Ignacy Sachs (1927-2023), intelectual visionário da ecossocioeconomia desde os anos 1970, foi homenageado em Paris pela Fundação Maison des Sciences de l’Homme (FMSH), em várias mesas redondas nesta quarta-feira (13). Pioneiro, ele lançou as bases para o debate tão urgente e atual sobre a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento, enlaçando economia, ecologia, antropologia cultura e ciência política.
Nascido na Polônia em 1927, Ignacy Sachs fugiu com sua família do nazismo e viveu no Brasil de 1941 a 1954, onde se formou em economia. Depois se instalou na Índia, onde obteve um doutorado com uma tese sobre modelos do setor público em economias subdesenvolvidas.
Em 1968, foi convidado para ensinar na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), em Paris, onde criou, em 1985, o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo. Sachs também trabalhou na organização da primeira Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, em 1972, em Estocolmo, Suécia, quando foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
“Ele trabalhou intensamente no campo da economia do desenvolvimento e contribuiu fortemente para a evolução do conceito, que nasce na economia como simples crescimento econômico, de indicadores como o PIB, o nível de atividade econômico, o tamanho da economia”, explica Emílio Lèbre La Rovere, coordenador do Centro Clima da Coppe UFRJ, e integrante do painel do IPCC que ganhou o Nobel da Paz em 2007.
“Depois, tem toda uma contribuição com a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), Celso Furtado e os estruturalistas – Raul Prebisch -, no sentido de dizer que não era apenas crescimento, mas era também industrialização, modificação da estrutura da economia para um estágio mais avançado que simplesmente produzir bens primários, agrícolas e commodities”, continua La Rovere.
Ecodesenvolvimento
“Ele incorpora o conceito de ecodesenvolvimento, de desenvolvimento em harmonia com o meio ambiente. Ele foi consultor das Nações Unidas com extensa contribuição na América Latina, na Ásia. Trabalhou muito no Brasil, inclusive até recentemente. Foi consultor do Sebrae, Serviço Brasileiro de Apoio à pequena e média empresa. Essa contribuição, que mais tarde deu lugar a uma tradução em inglês para 'desenvolvimento sustentável' no relatório 'Nosso futuro comum', em 1986, de Gro Brundtland, foi seminal para mostrar a importância de se agregar a dimensão ambiental também na economia”, explica
Sérgio Pereira Leite, professor titular da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, conheceu Sachs na década de 1990. Ele ressalta a generosidade intelectual, o desprendimento com pesquisadores de vários países e a compreensão que ele tinha de diversas culturas
“Também destaco a capacidade dele de antever uma série de questões, problemas, assuntos que hoje estão à luz do dia e totalmente atuais, especialmente no campo da sociobiodiversidade, digamos assim, do desenvolvimento territorial, das questões relacionadas ao combate à luta contra a pobreza e a desigualdade”, destaca Leite, que também é coordenador do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura e membro da Academia da Agricultura da França.
Segurança alimentar
“Desde os anos 1970, Sachs produzia análises muito finas, muito complexas também sobre diferentes questões e particularmente sobre ecodesenvolvimento, antevendo uma situação dramática que atravessamos hoje com esses extremos climáticos e as mudanças e os impactos que eles têm acarretado”, acrescenta.
“Ele teve uma inspiração muito grande para pessoas que trabalham com o meio rural brasileiro, em especial sobre o processo de emergência da assim chamada agricultura familiar, ou seja, o protagonismo desses atores do campo brasileiro e sua capacidade de direcionar políticas públicas específicas a esse segmento, como, por exemplo, o próprio Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf, mas também aqueles àquelas políticas direcionadas à segurança alimentar e, em particular, a reforma agrária”, explica.
Democratização fundiária
“Sachs tinha uma percepção muito aguçada desse processo relacionado à democratização fundiária e como ele poderia contribuir para um melhor estilo ou padrão de desenvolvimento nacional, pensando o Brasil que ele conhecia profundamente bem, em diferentes áreas. E é importante mencionar que ele foi um dos entusiastas do processo de políticas de desenvolvimento territorial que o Brasil vai experimentar, sobretudo nos anos 2000, com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais, o Pronaf e o Programa de Territórios da Cidadania, criado em 2008, para o qual o próprio Sachs atuou como um dos consultores”, relata o pesquisador.
“Ele via nessa possibilidade de desenvolvimento territorial que seria mais ou menos uma esfera intermediária entre a municipalidade e a administração dos governos estaduais, uma capacidade de integração de atores de diferentes segmentos, entre eles o próprio setor rural, na dinamização dessas regiões, produzindo uma distribuição melhor desses recursos e dessas riquezas, numa proposta de descentralização, inclusive de adensamento dos demográficos mais regionalizados e um melhor atendimento dos serviços públicos, em especial saúde, educação, transporte, moradia e, no caso rural, uma série de facilidades, desde a eletrificação rural até apoio à própria produção agropecuária, no sentido de estimular a de outras regiões que poderiam vir a conseguir uma situação ou um padrão de vida. Ou naquilo que o Amartya Sen chamou do Índice do Desenvolvimento Humano, muito mais amplo e inclusivo.”
A descentralização do processo foi um ponto importante levantado por Sachs, “para que ocorresse de forma mais desconcentrada, inclusive da renda e da riqueza, e gerando novas oportunidades de renda, emprego e também de produção propriamente dita, especialmente aquela ligada aos mercados locais, regionais e que estimulassem a circulação de bens dentro dessas esferas”, explica Pereira Leite.