"Eu faço mapas emocionais de diferentes culturas", diz artista plástica brasileira ao expor em Paris


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Jan 29 2025 6 mins   1

Cristina Barroso vive e trabalha entre São Paulo e Stutgartt, na Alemanha. Com uma carreira internacional consolidada, a artista plástica realiza, pela primeira vez, uma exposição individual na França. A Maison de l'Amérique latine recebe a mostra "O Rio Interior", de 30 de janeiro a 29 de março. 

Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris 

Com interesse sobre a questão territorial, as obras produzidas do ano 2000 até hoje ilustram a história da artista sobre duas culturas, dois países, num projeto que passa pela geografia e a cartografia. Cristina Barroso é famosa por suas pinturas cartográficas, em que recortes e colagens dão novos contornos ao mundo tal como ela o vê. “Eu fiz esse trabalho pensando especificamente no Brasil visto pelos europeus. São momentos simbólicos de fluidez da vida, do tempo. São esses elementos que me interessam”, explica em entrevista à RFI Brasil.  

Cristina Barroso explora materiais diversos, texturas opacas e brilhantes, uma grande quantidade de imagens de onde emergem representações de rios e povos da floresta. Há belas imagens de digitais, de rostos que se fundem com troncos de árvores, em obras que retratam relações de harmonia com a natureza. “Eu saí do Brasil muito cedo e essa maneira de olhar o mundo por cima, de ficar viajando, me levou a usar mapas”, afirma. “Mas não mapas no sentido em que você os vê e se orienta, mas um mapa mais ou menos emocional, das diferentes culturas”, completa.  

A artista conta que deixou o Brasil aos 17 anos. E quanto mais o tempo passa, mais ela se aproxima do tema das raízes. “Eu sou de São Paulo, mas eu acho que vendo o Brasil de fora, eu me concentrei mais em certos símbolos como o rio, que é uma imagem metafórica para a vida”, observa.  

Antropofagia

O trabalho de Cristina faz referências e citações diretas ao Movimento Antropofágico, corrente artística derivada do modernismo brasileiro a partir de 1920. “O Movimento Antropofágico fala exatamente da minha posição de devorar as outras culturas e juntar tudo para um modo de expressão original”, analisa.  

A série “Tristes Trópicos” é uma referência direta ao antropólogo francês Claude Lévi-Strauss que, conforme lembra a artista, “falou que todos nós somos canibais de maneira geral pela cultura”. 

Na série "Tristes Trópicos", mapas do território brasileiro são colocados em um conjunto de pastas de plástico que, por sua vez, são classificadas por divisórias translúcidas coloridas, sobre as quais a artista interveio com uma profusão de motivos indígenas e outros desenhos que narram a história colonial do país. “Eu fui para o Amazonas só três ou quatro vezes. Eu sempre morei em cidade grande. Então, eu gosto de misturar coisas da metrópole e dos povos que vivem na natureza”, diz. “Eu arquivei essas imagens dentro de plásticos e usei também elementos da sociedade de consumo, junto com elementos da natureza”, completa.  

Em outra série de obras, intitulada "Nativos", organizada de maneira diferente, Cristina recompõe as identidades visuais com superposições de imagens. Uma gravura antiga com o rosto de um indígena aparece estampada com uma bolsinha infantil de feltro decorada com um elefante.  

Sociedade de consumo

O contraste entre os nativos da floresta amazônica e a sociedade urbana destaca o consumo excessivo e o desperdício da sociedade atual em contraste com a interconexão dos nativos para com a natureza e o cosmos. Imagens que, ela espera, possam incitar a imaginação e provocar reflexão sobre a realidade atual. “Em alguns trabalhos, lógico que eu penso sobre isso, mas eu não sou ativista, sabe? Não sou especialista em geografia, nada disso. São elementos que eu uso com a liberdade artística, só para expressar exatamente esse momento que estamos vivendo. Eu espero que as pessoas possam refletir mais sobre a existência humana”, diz a artista.  

Recentemente, cientistas brasileiros desenvolveram o conceito de “rios voadores” e mostraram a estreita relação de troca entre os rios e a floresta. Os estudos revelaram que a transpiração das árvores joga na atmosfera uma quantidade de vapor superior ao volume de águas que corre pela bacia do rio Amazonas. Esse fenômeno é o principal responsável pelo ciclo pluvial de grande parte do continente sul-americano, e tem impacto no clima mundial. A presença dos rios na cartografia revela a dinâmica da ocupação das águas sobre todo o território amazônico.  

Em suas telas, Cristina mostra os grandes rios e seus afluentes como vasos sanguíneos, elementos ativos onde a vida se nutre e se torna possível. “Isso sempre fica no nosso inconsciente. Eu fiz uma tela toda vermelha, com um filamento de um rio passando por esse campo vermelho. Foi exatamente na época que estava ocorrendo muitos Incêndios na floresta”, conta. “Então, não foi de propósito. Foi uma coisa que aconteceu assim. É um fluxo de consciência, de repente eu vi que estava vermelho”, continua  

A artista, que já viveu na Itália e nos Estados Unidos, fala sobre a experiência de realizar a sua primeira exposição individual em Paris. “Para mim é muito importante. Eu amo essa cidade e agora posso mudar um pouco o eixo Alemanha Brasil para Alemanha, França e outros países”, diz a artista que já tem projetos em Hong Kong.  

A exposição “O Rio Interior” fica em cartaz na Maison de l’Amérique Latine, no número 127 do Boulevard Saint Germain, em Paris.  

Para ver a entrevista na íntegra, clique na foto principal.