Pintora francesa Suzanne Valadon revolucionou representação feminina, na vida e na arte


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Jan 31 2025 6 mins  

"Eu desenhei loucamente para que, quando não tivesse mais olhos, pudesse enxergar com as pontas dos dedos." A frase é de Suzanne Valadon, artista pioneira que desafiou convenções em sua vida e obra, e que agora ganha uma grande retrospectiva no Centro Pompidou de Paris. Anticonformista por natureza, Valadon demolia regras – inclusive ao pintar escandalosos nus masculinos, algo impensável para sua época.

Filha de pai desconhecido e criada no ambiente boêmio e popular de Montmartre do início do século 20, Suzanne Valadon começou trabalhando como modelo para grandes nomes da pintura da época, como Toulouse-Lautrec e Renoir. Mas ela não se contentou em ser apenas musa e conquistou seu espaço como artista reconhecida nesse meio eminentemente masculino. Valadon desafiou constantemente as normas sociais e artísticas de sua época. De origem modesta e filha de uma lavadeira, ela lutou para conquistar um lugar para si no mundo da arte, apesar dos preconceitos associados ao fato de ser mulher e às suas origens.

Nathalie Ernoult, curadora da exposição no Centro Pompidou de Paris, fala sobre o começo de sua carreira em Montmartre. "Ao chegar em Paris, Suzanne Valadon trabalhou em diversos pequenos empregos para se sustentar e ajudar sua mãe, mas essas ocupações eram mal remuneradas. Foi então que lhe sugeriram se tornar modelo, uma atividade mais bem paga na época. Em Montmartre, onde existia um verdadeiro 'mercado de modelos', ela rapidamente chamou a atenção dos maiores artistas do século 19, como Puvis de Chavannes, Renoir e Toulouse-Lautrec. Para Suzanne, posar como modelo não representava apenas uma imersão no mundo da arte que marcaria profundamente seu destino, mas uma verdadeira oportunidade financeira. Ser modelo para ela significava ganhar mais dinheiro", precisa Ernoult.

Autodidata e filha de uma lavadeira

Ela se reinventou e forjou sua identidade mudando seu primeiro nome (de Marie-Clémentine para Suzanne). Desde muito jovem, não se conformou com as expectativas tradicionais das mulheres de sua época, como conta Flore Mongin, autora de uma biografia sobre a artista. "Marie-Clémentine Valadon, futura Suzanne Valadon, chegou a Paris aos 5 anos com sua mãe, em um ambiente popular marcado pela miséria. Criada sozinha pela mãe lavadeira, ela cresceu em Montmartre, um bairro vibrante de Paris, que foi um terreno fértil para o seu desenvolvimento. Desde a infância, demonstrou uma personalidade forte e um gosto acentuado pelo desenho, características que se tornariam centrais em sua trajetória artística. Montmartre, com sua efervescência cultural, foi o cenário de sua evolução, moldando a mulher e a artista que ela se tornaria, da infância à adolescência", afirma a escritora.

Suas representações das mulheres romperam com os clichês da época, mostrando corpos naturais e não idealizados em poses cotidianas, como detalha a curadora da mostra, que fala sobre uma de suas obras mais transgressoras, a "Odalisca". Suzanne Valadon "revisita e transgride o modelo clássico da odalisca em uma de suas obras-primas. Diferentemente da odalisca tradicional, frequentemente retratada nua e em uma postura sensual, seu modelo aqui está vestido, usando um pijama descontraído, com calças listradas e uma regata", contextualiza.

"A mulher fuma um cigarro, com livros displicentemente colocados ao seu lado, e sua expressão é séria, distante de qualquer sugestão de sedução. Valadon apresenta aqui a imagem de uma mulher livre e moderna dos anos 20, rompendo completamente com o arquétipo das odaliscas idealizadas. Tendo sido ela mesma modelo e posado para nus reclinados, Valadon conhecia profundamente a forma como os pintores representavam e objetificavam o corpo feminino. Com essa pintura, ela oferece uma visão radicalmente diferente", sublinha a especialista do Pompidou.

"Você é uma de nós": o apoio de Degas

Mas é o impressionista Edgar Degas, o artista mais importante do grupo de Montmartre na época, quem vai desempenhar um papel-chave na vida de Suzanne Valadon, como relata a curadora da mostra, Nathalie Ernoult. "Com os recursos que tinha à disposição, Suzanne Valadon desenhava sem cessar, em qualquer lugar que pudesse. Enquanto posava como modelo, observava atentamente os artistas ao seu redor, analisando suas técnicas de pintura e esboço. Dotada de um grande senso de observação e de uma memória visual impressionante, ela aprendeu a desenhar quase instintivamente, de forma autodidata", lembra.

"Um dia, ela teve a coragem de mostrar seus desenhos a Bartholomé e Toulouse-Lautrec, que imediatamente reconheceram seu talento. Lautrec a incentivou fortemente a apresentar seu trabalho a Edgar Degas, encontro que marcaria uma virada decisiva em sua carreira artística. Degas, que era uma figura central da época, se tornaria mais tarde um de seus maiores apoiadores e mentores", destaca. Foi Edgar Degas quem reconheceu seu talento, comprou seus desenhos e disse: "Você é uma de nós."

Entre os amores escandalosos que Suzanne nunca escondeu, figura uma relação relâmpago com Eric Satie, como conta a biógrafa da artista. "Sim, Montmartre era um lugar propício para os amores, e de fato Eric Satie ficou muito apaixonado. Ele foi um amor transitório de Suzanne Valadon e também um amante passageiro, já que a história deles não durou muito tempo. Eram duas personalidades muito fortes que não estavam necessariamente destinadas a se entender", conta Flore Mongin.

Apesar do reconhecimento, Valadon enfrentou muitos desafios. Ela foi recusada por não ter um "mestre" reconhecido na Escola de Belas Artes de Paris. E mesmo quando começou a pintar, sua ousadia escandalizava – como no caso de "Adão e Eva", onde retratou seu jovem amante nu a seu lado.

Com a exposição no Centro Pompidou de Paris, até o dia 26 de maio de 2025, e os novos livros dedicados a ela, Suzanne Valadon finalmente sai do esquecimento para ocupar o lugar que merece na história da arte.