O assassinato de um estudante de 14 anos em Paris, esfaqueado por dois menores de 16 e 17 anos por ter se negado a entregar o telefone celular num assalto, está gerando um grande debate entre os franceses sobre a violência entre jovens. Os juízes de menores e os pais dos infratores são criticados por uma pretensa condescendência na aplicação de penas e na educação dos adolescentes, mas a realidade é bem mais complexa.
O adolescente morto, chamado Elias, de 14 anos, aluno do 9° ano de um colégio público de ensino de elite em Paris, o Lycée Montaigne, foi abordado por dois jovens menores, mais velhos do que ele, na sexta-feira passada (24), quando saía de um treino de futebol, às 20h, num estádio mantido pela prefeitura num bairro tranquilo de Paris, o 14° distrito da capital, perto de Montparnasse.
Ele voltava a pé para casa, acompanhado de um amigo, e resistiu ao assalto – não quis entregar o celular. O garoto, filho de um médico parisiense, foi esfaqueado no ombro. Ele chegou a ser socorrido, mas morreu no dia seguinte no hospital.
Esse crime sórdido provoca comoção entre os franceses por vários motivos. É raro acontecer roubo com arma e uso de violência física em Paris, ainda mais contra um estudante dessa idade. Os furtos são frequentes, mas às vezes a pessoa nem se dá conta por não envolver agressão. As idades dos envolvidos e a violência gratuita é algo ainda inaceitável na sociedade francesa.
Os dois agressores foram rapidamente identificados e presos, pois eram conhecidos da polícia e da Justiça de Menores desde 2021 por outros roubos e porte de armas. O serviço social da prefeitura e educadores do bairro onde o crime aconteceu também conheciam as ameaças que eles representavam aos frequentadores do estádio municipal.
Neste fim de semana, todos os estádios de futebol onde acontecem jogos da Liga 1 e Liga 2 francesas farão um minuto de silêncio antes do início das partidas em homenagem a Elias. A decisão foi anunciada pela Federação Francesa de Futebol Profissional.
Autor do crime estava solto, apesar de ter recebido condenação
O rapaz de 16 anos, que confessou ter dado o golpe letal no estudante, tinha sido condenado em 2023 a dois anos de medidas educativas e controle judiciário. Por decisão do juiz de menores que acompanhava o caso, ele estava proibido de falar com o amigo de 17 anos, o que soa, para os franceses, como uma medida insuficiente e "idiota", porque os dois moravam no mesmo condomínio. A dupla também estava proibida de sair à noite, de 22h às 6h da manhã, o que não impede ninguém de matar no restante do dia.
A situação social dos dois amigos não é considerada particularmente desfavorável pelas autoridades. Os pais dos dois indiciados não são ausentes na educação dos filhos. A mãe do menor de 16 anos é chefe de família. Ela é descrita pelos juízes como uma pessoa sobrecarregada, mas não descomprometida com a educação.
Violência aumenta entre jovens propensos à agressividade
A conclusão a que se chega diante desse crime horroroso é que entre a parcela de jovens propensos à violência na França, até os medianamente inseridos estão mais violentos. Juízes de menores observam que a violência gratuita é típica em adolescentes, geralmente por motivos fúteis. Eles desconhecem a consequência de seus atos, segundo magistrados experientes.
Em dados estatísticos, a violência de menores recuou na França e os números são considerados estáveis desde 2016. De acordo com magistrados das Varas da Infância e Adolescência, do total de crimes cometidos no país, 7% envolvem menores. Em Paris, 30% dos roubos são executados por adolescentes, também envolvidos em 40% dos furtos em apartamentos.
O que está em alta, segundo os especialistas, é a gravidade dos crimes que os adolescentes cometem: 20% do total de ocorrências são casos de homicídio, estupro e porte de armas proibidas, como facas e pistolas, mais usadas pelo narcotráfico.
Polícia não sabe como conter uso de armas brancas pelos jovens
Por outro lado, policiais e professores dizem que não sabem mais o que fazer diante do número crescente de adolescentes que andam armados com facas, até dentro de escolas.
Tutoriais com instruções de como manejar bem uma faca de cozinha ou um punhal têm milhares de visualizações no Telegram e em vídeos no TikTok, com protagonistas adolescentes. As campanhas de prevenção contra esse tipo de conteúdo são inexistentes.
Desde segunda-feira, os dois indivíduos envolvidos no assassinato de Elias cumprem pena de prisão preventiva. A conclusão das investigações deve ser rápida pela quantidade de testemunhas que viram o crime, o histórico judicial dos dois suspeitos, e a confissão do menor de 16 anos.
Os dois foram indiciados pelo crime de extorsão com resultado em morte e podem ser condenados à prisão perpétua, o que seriam 30 anos de reclusão, mesmo sendo menores de idade. Se o júri popular fizer uma concessão pela minoridade, um atenuante que existe na legislação francesa, a pena cai para até 20 anos de prisão.
Políticos querem nova lei, mas juízes contestam
Devido à repercussão do crime e de milhares de estudantes e pais temerem pela vida dos filhos por causa de um aparelho de celular, os ministros da Justiça e do Interior, de linha-dura, já querem fazer propostas de endurecimento da legislação em vigor. O ministro do Interior, Bruno Retailleau, embora seja do partido da direita democrática (LR), é comparado a um populista de extrema direita.
Nesta semana, Retailleau disse que vai apresentar um projeto de lei para introduzir penas curtas de dois anos de prisão para adolescentes, desde a primeira condenação judicial, como faz a Holanda, e penas de até três anos de reclusão e multas para os pais de infratores reincidentes.
Essas propostas são consideradas demagógicas pelos juízes franceses. Eles argumentam que a legislação atual já permite a um magistrado aplicar uma pena de reclusão imediata na faixa etária de 16 a 18 anos.
Os juízes de menores têm ordenado com frequência as chamadas “medidas educativas”, em que um menor deve ser internado em um centro fechado e passar até dois anos no estabelecimento educativo, recebendo atendimento psicológico, às vezes psiquiátrico, e disciplinar. A Justiça garante não haver condescendência por parte dos magistrados.
Os infratores condenados ficam soltos por falta de vagas nos centros educativos de reinserção. Mas sobre isso, os políticos se omitem.