BD do brasileiro Luckas Iohanathan disputa prêmio no prestigioso Festival de Angoulême


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Jan 30 2025 14 mins  

O Festival de Angoulême, o mais importante evento de Histórias em Quadrinhos do mundo, acontece até o próximo domingo (2) na cidade do sudoeste da França. E nesta 52ª edição tem brasileiro na disputa: Luckas Iohanathan, ilustrador e quadrinista natural de Mossoró, no Rio Grande do Norte, está na competição oficial com “Como Pedra” e pode levar o prêmio de melhor BD do ano, o principal do evento.

O ano de 2024 foi especial para o jovem quadrinista. “Como Pedra” (Comix Zone) venceu o prêmio Jabuti de 2024 na categoria melhor BD do ano. Logo em seguida, o álbum traduzido e publicado em agosto do ano passado na França pela editora iLatina, com o título “Comme une Pierre”, foi selecionado para o Festival de Angoulême.

O reconhecimento do talento de Luckas Iohanathan, hoje com 30 anos, foi muito rápido. Em 2018, ele criou o primeiro quadrinho, “O Mostro Debaixo da Minha Cama”, lançado gratuitamente na internet em 2020 e que recebeu prêmios, antes de ser publicado em 2023.

“Não esperava ganhar o Jabuti e muito menos ser indicado a Angoulême. É um sentimento meio estranho, porque é como se não fosse real ainda”, contou Luckas Iohanathan à RFI antes de embarcar para a França. Ele chega a Angoulême nesta quinta-feira (30) para participar do festival que sonhava em conhecer.

“Eu sempre tive vontade de conhecer Angoulême como leitor, como público, e ir pela primeira vez como artista, e ainda mais participando da premiação, já está mais do que suficiente”, disse, completando que prefere não esperar uma eventual premiação.

“Como Pedra” está na competição oficial que distribui ao todo seis prêmios. Se levar o “Fauve d’Or” de melhor BD do ano, Luckas Iohanathan será o segundo brasileiro a receber a recompensa depois de Marcelo Quintanilha, premiado por “Escuta, Formosa Márcia” em 2022. “Da mesma forma que eu entrei nesse mundo vendo quadrinistas brasileiros sendo reconhecidos, espero que eu também sirva para alguém que quer entrar nos quadrinhos ver que é possível”, torce.

Nordeste brasileiro

“Como Pedra” narra a vida de uma família nordestina, que tem uma filha com deficiência. A BD de Luckas Iohanathan aborda questões históricas do nordeste brasileiro: a seca, a miséria, as desigualdades, a injustiça, denunciando a ausência de políticas públicas e o fanatismo religioso. O livro dialoga com toda uma tradição da literatura e do cinema brasileiros, como "Vidas Secas", "O Pagador de Promessa", "Morte e Vida Severina", "Os Sertões".

O ilustrador conta que seu objetivo inicial não era fazer uma narrativa de denúncia ou militante. Inspirado pelo livro "O Mito de Sísifo", do francês Albert Camus, ele quis fazer um conto filosófico. “Esse livro nasceu de uma dúvida. Eu me perguntando se esse tipo de vida vale a pena, se vale a pena todo esforço, se vale a pena continuar”.

No processo de criação, a narrativa evoluiu, influenciada por questões como o aquecimento global, a falta de remédio, a falta de leite e muitos outros elementos da história de vida pessoal do autor no interior do Rio Grande do Norte. A resiliência materna é um tema central da obra.

A técnica do desenho de Luckas, que confessa “nunca ter gostado de pintar”, também remete a essa aridez do Nordeste. Ele usa apenas três cores para retratar o sertão brasileiro: o preto, o branco e o amarelo. “Eu queria que a cor tivesse um sentido na história, fosse uma emoção, gritasse também”, explica.

Para o quadrinista, o “amarelo representa muito esse calor que está grudado na pele dos personagens o tempo todo”, detalha, lembrando que as paisagens do interior nordestino são dominadas por essa cor. “É como se você visse apenas o Sol, tomando conta do chão”.

Lucas acredita que essa história brasileira pode ressoar para leitores de outras culturas, como a francesa. “Eu queria que no quadrinho as coisas externas fizessem com que os personagens estivessem naquelas situações. Que aquilo não era culpa deles. Coisas como o aquecimento global, qualquer região do mundo está sofrendo com isso, né? Então, eu acho que isso conseguiu dialogar com mais espaços e não só com o nordeste brasileiro”, pontua.

O Festival de BD de Angoulême termina no domingo (2) quando os vencedores desta 52ª edição serão revelados.