Maria Fernanda Cândido leva frescor para coleção francesa de audiobooks de Clarice Lispector


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Feb 28 2025 9 mins  

A atriz Maria Fernanda Cândido é a primeira brasileira a gravar em francês um título da obra da escritora Clarice Lispector na Biblioteca das Vozes, célebre coleção da editora parisiense Éditions des Femmes. No audiobook "Bonheur clandestin", lançado em janeiro na França, Maria Fernanda recita em um francês trabalhado de forma meticulosa 14 de 25 contos reunidos por Clarice no livro "Felicidade clandestina", publicado no Brasil em 1971.

A Biblioteca das Vozes finalmente conta com uma atriz brasileira na sua coleção de sete audiobooks dedicados à imensa autora brasileira nascida na Ucrânia. Antes de Maria Fernanda, a Éditions des Femmes já tinha chamado grandes atrizes do cinema francês para recitar sucessos de Clarice. Assim, Anouk Aimée gravou a versão em francês de "A paixão segundo G.H.", Fanny Ardant protagoniza um envolvente registro de "Amor", enquanto Chiara Mastroianni deu sua voz para "Laços de família".

Maria Fernanda disse à RFI que o convite para integrar a coleção veio na hora certa. A conexão especial da atriz com Clarice Lispector vem de muito tempo, desde a adolescência. Mas essa relação se intensificou na época da preparação do filme "A paixão segundo G.H.", em 2017, e as filmagens em 2018. "Nesse momento, eu venho morar em Paris e começa essa relação com essa cultura, com essa língua, e levou um tempo para esse trabalho", disse.

O resultado é envolvente desde as primeiras frases. "Nós temos uma melodia no português que é muito típica nossa. O pessoal da Éditions des Femmes entende isso como algo que contribui, que traz uma novidade, um frescor, algo único sobre aquela voz. Mas eu precisei também achar um ponto de equilíbrio para que o sotaque esteja ali presente como um pano de fundo e não como a primeira coisa que chega aos ouvidos do ouvinte", conta a atriz. A diretora da Biblioteca das Vozes, Francesca Isidore, orientou esse trabalho bastante meticuloso que aconteceu antes das gravações.

"Bonheur clandestin” reúne textos de Clarice Lispector que foram escritos em diversas fases da vida da autora. Alguns se referem aos primeiros anos da infância em Recife, à vida pregressa, à história biográfica, mas também evocam outros temas, como a solidão, a vocação para a escrita, filhos, ciúme, inveja. "O que eu acho que está sempre presente na maioria dos contos é essa contradição, essa fricção entre adjetivos que não deveriam estar juntos. É uma coisa muito clariciana quando ela diz, por exemplo, uma alegria difícil", destaca Maria Fernanda.

O álbum do audiobook traz um CD, mas um QR impresso sob o encarte na contracapa permite ao ouvinte transferir os contos para o telefone celular ou outro suporte de escuta. "É uma escritura universal e humana que chega a pessoas no mundo inteiro", acredita a atriz.

Nova peça estreia em junho na França

Maria Fernanda conta que nos recitais dramáticos que fez em Paris em duas temporadas, em 2022 e 2023, e que depois deram origem à peça "Clarice Lispector – Balada acima do abismo", recentemente apresentada em São Paulo, pessoas do público a procuravam para ter mais informações sobre a vida da escritora, curiosas para saber quem era, onde morava, se ainda estava viva.

O espetáculo apresentado em São Paulo, em curta temporada no teatro D-Jaraguá, terá agora uma montagem francesa, com direção de Maurice Durozier, da companhia Theâtre du Soleil. A peça já tem data de estreia programada, em 20 de junho. Os ensaios, segundo Maria Fernanda, começam em breve.

De novo em Cannes?

A atriz terá um semestre movimentado. Ela está no elenco do novo filme de Kléber Mendonça Filho, "O agente secreto", ao lado de Wagner Moura. O longa-metragem, filmado em Recife, está em fase de finalização na França. Não seria surpreendente, se o filme, contextualizado durante a ditadura militar brasileira, em 1977, viesse a ser selecionado para alguma mostra do Festival de Cannes, em maio. "É um filme sobre a nossa memória. A personagem que eu faço tem justamente a missão, vamos dizer assim, de guardar e documentar as informações desse período", explica Maria Fernanda.

A atriz diz não ter a menor ideia de onde ou quando será a estreia de "O agente secreto", mas subir as escadarias do Palácio dos Festivais não seria uma novidade para a brasileira. Em 2019, ela esteve no tapete vermelho de Cannes com o elenco do filme "O Traidor”, do italiano Marco Bellocchio, que concorreu, na época, à Palma de Ouro.

'Cinema brasileiro vive momento fértil'

Com a proximidade da cerimônia de entrega do Oscar, no domingo, 2 de março, Maria Fernanda Cândido diz estar "ansiosa, como todos os brasileiros", para saber se "Ainda estou aqui" será premiado nas categorias para as quais foi indicado: de melhor filme, filme internacional e melhor atriz, para Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva.

"Eu vejo que o cinema brasileiro está num momento muito fértil, de grande brilho. Eu acho que a gente está conseguindo levar isso para o mundo. Acho que nós temos uma música muito poderosa e agora o cinema vem tomando esse lugar, essa posição realmente de ser esse instrumento de grande força para que a gente possa chegar em outras culturas e afirmar cada vez mais a nossa própria identidade", destaca a atriz.