Filmes brasileiros fazem sucesso em sessão especial do maior festival de curtas do mundo na França


Episode Artwork
1.0x
0% played 00:00 00:00
Feb 07 2025 8 mins  

Os vencedores do Festival Internacional do Curta-Metragem de Clermont-Ferrand serão conhecidos neste sábado (8). Nesta edição de 2025, os organizadores receberam cerca de 8 mil filmes de 51 países. Na sessão especial do Mercado do Filme dedicada à apresentação de cinco produções brasileiras, seguida de um debate com o público, o curta Quase Trap! arrancou risadas da plateia, Carlinha e André despertou questões sobre o HIV na terceira idade, enquanto o filme de ação 2 Brasis foi um sucesso.

Três filmes brasileiros concorrem a prêmios na competição internacional de Clermont-Ferrand e outros cinco curtas, selecionados pelo festival Kinoforum e a Spcine, de São Paulo, foram exibidos a distribuidores e produtores em uma sessão especial na tarde de quinta-feira (6).

Quase Trap!, filme de iniciação dirigido pelo paulistano Filipe Barbosa, e Anastácia, da mineira Lilih Curi, elaborado a partir de uma longa pesquisa da cineasta com mulheres que sofreram violência doméstica na Bahia, são produções da Rede Afirmativa, da Spcine. Já 2 Brasis, de Carol Aó e Helder Fruteira, ganhou destaque por ser um filme de ação sobre a distopia de um país dividido, com uma produção bem elaborada.

Filipe Barbosa abraçou o cinema em 2018, primeiro fazendo formações em oficinas, como as organizadas pelo festival Kinoforum na comunidade de Paraisópolis, depois abrindo um cineclube com os amigos em Cidade Tiradentes, distrito da periferia de São Paulo. Seu curta narra a história de Tiunai, um jovem negro de 16 anos que mora na periferia e se vê pressionado a afirmar sua identidade masculina.

O realizador disse à RFI que jamais imaginou estar no maior evento do mundo de curtas. "O Fabio Rodrigo, que é um roteirista, escreveu esse projeto. Ele a uma pessoa um pouco mais velha do que eu e vem da Vila Ede, na zona norte de São Paulo. Eu já sou de uma outra geração e também vivenciei isso. É uma pauta que muitas vezes não tem sido falada. Falar sobre a questão de virilidade, a questão da masculinidade, principalmente negra. A maioria dos debates sobre masculinidade não tem esse enfoque na periferia", destaca Barbosa.

O próximo projeto do diretor paulistano é o curta de terror Passado Presente, filme que contará a história de um jovem que pega o tênis de outro jovem, já falecido, e isso irá desencadear uma série de acontecimentos sobrenaturais. Com essa trama, Barbosa quer trazer para discussão a questão do pertencimento dentro da periferia, num cenário "funk" de 2010.

HIV chega à meia-idade

Ricky Mastro, selecionado para participar pela primeira vez da sessão brasileira no Mercado do Filme, é uma das principais vozes do cinema queer no Brasil. Roteirista e diretor de dez curtas-metragens LGBTQIA+, atuante no circuito nacional e internacional de festivais, Ricky mostrou seu curta Carlinha e André, estrelado por Divina Núbia, André Guerreiro Lopes e Gregório Musatti. O filme retrata a história de amor de uma mulher transgênero na meia-idade que está esperando a volta do marido para casa, depois dele ter revelado a ela que estava com Aids.

Mastro conta que a inspiração para essa história veio na esteira de um longo projeto que desenvolve sobre pessoas que vivem com HIV, chamado Os Invisíveis. "Com o Carlinha e André, é interessante porque muitas pessoas falam que eu quis falar sobre viver com o HIV, falar sobre um casal sorodiscordante, mas na verdade eu falo sobre se tornar mais velho, sobre os medos e preocupações [que aparecem] ao envelhecer". Muitos questionamentos de Carlinha refletem preocupações pessoais do cineasta como homem gay cis chegando perto dos 40 anos, e a relação próxima que ele tem com a mãe, que completará 75 anos neste ano.

Roteirista e realizador engajado, Mastro passa a metade do ano em Toulouse, onde aperfeiçoou sua formação no cinema, e a outra metade em São Paulo. No Festival de Clermont, ele faz contatos com produtores e coprodutores internacionais para seu longa-metragem Tarzan. Nessa nova ficção, dois michês, o bailarino Tarzan e o traficante Gabo, aplicam golpes digitais para realizar o sonho de viver na Europa. Ele também procura coprodutores para a série Mundinho, que explora a juventude queer na vida noturna de São Paulo, produzida pela Manjericão Filmes.

Violência doméstica

Em Anastácia, a mineira Lilih Curi leva às telas um drama de violência doméstica baseado em uma longa pesquisa feita com mulheres na Bahia. "É um filme curto, de 15 minutos, com uma narrativa disruptiva, não linear, mas que resolve ao fim o drama dessa mulher, Anastácia, que sofre violência doméstica na relação abusiva e terrível com o marido. É um filme que trata transversalmente de feminicídio, de racismo, de agressões múltiplas que a mulher sofre. Anastácia, por conta do trauma, sofre de mutismo e ela busca uma maneira de ter saúde de novo e de voltar a viver de novo", descreve Lilih.

"Eu espero que várias mulheres e homens que assistam esse filme se sensibilizem e consigam diminuir o impacto das violências em suas próprias vidas", acrescenta a diretora mineira. Recém-finalizado, o curta de Lilih Curi deve estrear em breve no Brasil.

O curta Migué, de Rodrigo Ribeyro, vencedor do prêmio Revelação no festival de curtas de São Paulo no ano anterior, completou a lista de produções apresentadas no Mercado do Filme, ao contar a história de uma garota paulistana trabalhadora que resolveu tirar um dia de folga.

Animação brasileira concorre a prêmio

Em sua estreia num curta de animação, o diretor niteroiense Angelo Defanti, conhecido por seus filmes de ficção e documentários, conta ter ficado "espantado" e "lisonjeado" de ter sua produção Eu Sou um Pastor Alemão selecionada na competição internacional de Clermont-Ferrand.

"Eu comecei a desenvolver um projeto de longa-metragem de animação, mas, para chegar no longa, também pensei que eu podia me exercitar num curta e descobrir um pouco mais desse universo da animação, que não é tão simples assim. Sempre gostei muito dos quadrinhos do Murilo Martins e decidi dar esse pontapé inicial na animação com dois quadrinhos dele: um chamado Eu Sou um Pastor Alemão e o outro, Eu Era um Pastor Alemão", explicou Defanti à RFI.

O cineasta recorda que é 'dificílimo' ser selecionado na programação oficial do festival francês e revela estar impressionado com a atmosfera da mostra. "É realmente espantoso. A quantidade de filas, o tamanho das salas sempre cheias para ver curta-metragem. É uma cultura do curta-metragem já muito difundida, você vê que isso vem de muito tempo", diz Defanti com admiração e entusiasmo.

Os outros títulos que concorrem a prêmios em Clermont são Amarela, de André Hayato Saito, e Jacaré, de Victor Quintanilha.

A seleção dos curtas trazidos à França foi definida por Anne Fryzsman, programadora internacional do Festival de Curtas de São Paulo – Kinoforum. Ao lado do coordenador Marcio Miranda Perez, Anne dá continuidade ao trabalho iniciado há décadas pela diretora da mostra paulistana, Zita Carvalhosa, que abriu as portas do mercado global de produtores e distribuidores aos cineastas brasileiros.

O Brasil está representado no Mercado do Filme de Clermont-Ferrand desde 2011, em uma parceria que envolve, na edição de 2025, a equipe do Kinoforum, a Spcine, o Instituto Guimarães Rosa e a Embaixada do Brasil em Paris.