"Malu", retrato de uma atriz brasileira insubmissa, libertária e iluminada estreia em festival na França


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Feb 08 2025 6 mins  

“Malu” é um pequeno grande filme. Pequeno mesmo, só o orçamento e o calendário apertado. Mas o primeiro longa de Pedro Freire, na verdade, é enorme, com atuações transbordantes, direção certeira e tudo mais de que precisa um grande filme. O filme fez sua estreia francesa nesta sexta-feira (7), no festival Regards Satellites que acontece em Saint Denis, na região parisiense.

Patrícia Moribe, em Paris

O filme conta os últimos anos da atriz Malu Rocha (1947-2013), mãe do cineasta, que fez carreira no teatro, trabalhando com nomes como Gianfrancesco Guarnieri, Plínio Marcos e Flávio Rangel. Ela estreou no palco em 1969, no Teatro Oficina, de José Celso Martinez Correa. Figurativamente, Malu Rocha nasceu e morreu no Oficina, pois seu velório também aconteceu no local icônico.

“Foi um velório muito peculiar, com vinho, baseados de maconha”, relembra Freire. “Foi quase uma encenação, com o caixão dela no meio do palco com uma luz bem teatral e várias fotos da carreira dela espalhadas. A questão da maconha era importante para ela. Nem eu, nem minha irmã somos maconheiros, mas ela era muito maconheira. Então resolvemos no velório dela distribuir baseado para as pessoas. Foi uma festa muito bonita, muito pagã. E nesse velório eu pensei ‘cara, essa mulher precisa de um filme’. E aí passei alguns anos elaborando até conseguir escrever o roteiro.”

“Malu” traz no elenco atrizes com trabalho sólido em teatro. Yara de Novaes, premiada atriz e diretora de teatro, com pouca passagem no audiovisual, faz o papel principal. Juliana Carneiro da Cunha, um dos grandes nomes do teatro francês (Théâtre du Soleil), faz a mãe, dona Lili. E Carol Duarte, que despontou no filme “A Vida Invisível de Euridice Gusmao”, de Karim Ainouz, é a filha Joana – que é, na verdade, uma personagem que é uma fusão do próprio diretor e de sua irmã, a atriz e diretora Isadora Ferrite.

Freire conta que optou por atrizes de teatro porque buscava profundidade psicológica, de profissionais acostumadas a ensaios. “Foram três semanas de ensaio e três semanas de filmagem”, explica.

Luminosa

"Minha personagem é uma mulher maravilhosa, uma atriz brasileira, sobretudo de teatro, que nasceu na década de 40 e viveu o auge da sua profissão durante a ditadura militar", conta Yara de Novaes. "Ela compreendeu que o palco poderia ser também um lugar de luta. O filme tem um recorte temporal, que é o momento em que a Malu já está um pouco decadente, social e fisicamente, com o início de uma doença neurodegenerativa. Há um embate geracional muito interessante e profundo no filme, dela com a filha e a mãe. Malu foi uma mulher libertária e contraditória, maravilhosa, luminosa, intensa, insubmissa."

“Malu” é o primeiro longa de Pedro Freire, apesar da bagagem de muitos anos trabalhando no cinema brasileiro. Ele dirigiu oito curtas e trabalhou em 17 longas de outros diretores em funções diversas: assistente de direção, diretor de casting e preparador de elenco, além de escrever roteiros.

Freire apresentou a ideia à produtora Tatiana Leite há quase oito anos, pouco antes do desmonte da cultura brasileira na era bolsonarista. “Durante alguns anos, a gente ficou no desenvolvimento do roteiro. Ele escrevendo e eu dando feedback”, conta Leite. “E não tinha nenhuma perspectiva de captação – alguns estados, durante o caos total, tinham mantido uns fundos regionais, mas na época, o Rio estava parado e foi muito duro. Assim, é muito difícil passar o pires no exterior quando você não tem nada nacional para dar uma credibilidade – sobretudo sendo um primeiro longa-metragem”.

Pouco dinheiro, muita garra

O projeto saiu do papel após ganhar um edital da Rio Filme. Na sequência, Tatiana Leite foi atrás de parceiros. Com capital mínimo, a equipe foi se formando e as atrizes, se juntando ao projeto. “Eu fiquei muito impressionada com a força da Yara, da Carol e da Juliana. E também tem cenas tipo monólogo da Juliana, que todo mundo ficou de cara, a equipe inteira parada, hipnotizada por essa mulher”, relata a produtora.

A estreia foi no festival de Sundance, nos Estados Unidos, seguido de outros no mundo todo, com muitos prêmios e críticas positivas. A distribuição na França ainda está sendo negociada. A produtora conta, um pouco chateada, que alguns compradores alegam que o filme não apresenta os elementos típicos que esperam de um produto brasileiro: miséria, violência urbana, indígenas ou universo queer. “Acho idiossincrático porque, ao mesmo tempo, acho o filme muito brasileiro”, diz.

“Malu” foi apresentado na França no festival Regards Satellites, em Saint Denis, região parisiense, com presença das atrizes Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha e Carol Duarte, além da produtora Tatiana Leite.