Impacto de governos conservadores em lutas feministas não é novidade, diz representante da ONU Mulheres Brasil


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Mar 07 2025 16 mins   1

O empoderamento de jovens mulheres e meninas é o tema escolhido este ano pela ONU para marcar o Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. Em um contexto de aumento de governos conservadores e de extrema direita que impactam nas lutas pelos direitos das mulheres, a representante interina da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, diz que existem pontos de resistência e “mensagens de esperança”.

Querino disse em entrevista à RFI que a organização se preocupa com todas as mulheres, mas vem destacando em suas últimas celebrações os diálogos intergeracionais. “Esse ano estamos colocando um foco principal nas mulheres jovens, adolescentes e meninas, pensando que elas serão o futuro dos nossos países e da nossa sociedade”, explica.

Em 2025, a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, conhecida como Declaração de Pequim, completa 30 anos. O documento, composto por 38 parágrafos com objetivos estratégicos em doze áreas prioritárias de preocupação relativas às mulheres, foi assinado por 189 governos.

“Esse continua sendo um documento visionário, que ainda simboliza e representa os caminhos a serem seguidos, as políticas e ações a serem adotadas para se realizar de forma plena os direitos humanos das mulheres e das meninas”, afirma Querino, ressaltando que, desde que foi assinado em 1995 até 2024, mais de 1500 reformas legais foram realizadas no mundo com o objetivo específico de fazer avançar a igualdade de gênero.

Ela lembra, no entanto, que ainda existem desafios em matéria de direitos legais e representação política. “Vemos que a proporção de mulheres nos parlamentos mais do que dobrou desde 1995, mais 3 em cada 4 parlamentares ainda são homens. Então a representação continua muito aquém”, diz.

Outro ponto que ela ressalta são as lacunas de participação no mercado de trabalho que está “praticamente estagnado há décadas. Globalmente as mulheres têm 63% de participação no mercado de trabalho e os homens, 92%. Por outro lado, as mulheres realizam duas vezes e meia mais trabalho não remunerado e de cuidado nas casas”.

Além disso, Querino destaca que existem desigualdades entre as mulheres. De acordo com um relatório da global da ONU, o casamento infantil diminuiu no mundo de 24% para 19% entre 2003 e 2023. Mas a redução foi três vezes maior nos lares mais ricos, quando comparados com os mais pobres. Essas desigualdades aumentam ainda mais se são consideradas outras interseccionalidades, por exemplo, entre mulheres brancas, negras ou indígenas, mostrando que os avanços não são homogêneos.

Extrema direita

Segundo representante interina da ONU Mulheres Brasil, o país teve mudanças significativas em matéria de direitos das mulheres, principalmente em termos de legislação. “Se formos olhar desde que [a Declaração de] Pequim foi adotada, temos a lei de cotas, que vem se aprimorando a cada ciclo eleitoral. Temos a lei Maria da Penha, cujo processo e o próprio desenho é reconhecido mundialmente. Temos a lei de violência doméstica, a lei do feminicídio, a lei da violência política, então temos muitos avanços que são dignos de nota”, enumera.

“Mas, ao mesmo tempo, temos desafios, porque esses ganhos acabam não sendo permanentes. Eu não falo só do Brasil. A gente está num momento de muito questionamento, que vem acompanhado, inclusive, da crise democrática na qual o mundo se encontra”, salienta.

Neste contexto, de acordo com Querino, o tema de gênero acaba sofrendo influências de processos de desinformação e outros fenômenos, como a crise climática e até mesmo a pandemia de Covid-19, que fizeram regredir a igualdade entre homens e mulheres. “Temos todo um combo que faz com que a gente precise estar constantemente reiterando a importância de se avançar e de se priorizar as ações relacionadas aos direitos das mulheres e a igualdade de gênero.”

Querino analisa que o aumento de governos conservadores e de extrema direita têm impacto nas lutas pelos direitos das mulheres, mas não são novidade.

“Mas sempre existem pontos de resistência e sempre existem na sociedade mensagens de esperança. A gente sempre passa por momentos difíceis, mas não podemos deixar de registrar e de valorizar qual é o nosso ponto de partida, os nossos direitos fundamentais, pelos quais devemos sempre estar atentas. É isso que os movimentos feministas ao redor do mundo fazem, aproveitando o 8 de março para destacar as violações de direitos, para destacar os retrocessos e para reivindicar avanços”, salienta.

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Mudanças climáticas e gênero

Outra questão que está no centro das preocupações da organização é a vulnerabilidade das mulheres diante do aquecimento global, em um ano em que o Brasil organiza a 30° conferência da ONU sobre as mudanças climáticas.

“Os efeitos das mudanças climáticas e das crises climáticas não são iguais para todas as pessoas. Temos determinados grupos que estão em uma situação muito mais vulnerável. Então, desde já algum tempo, existe um plano de ação sobre gênero ligado à COP das mudanças climáticas, adotado quando a COP foi realizada em no Peru”, lembra.

Durante a COP 30, espera-se que um plano tático para promover a igualdade de gênero e mudança climática seja entregue, focado nos meios de implementação, como financiamento climático sensível a gênero, para garantir a participação e liderança dos diversos grupos de mulheres nos processos de tomada de decisão.