Brasileira desenvolve projeto de ação social por meio do esporte no norte da França


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Mar 09 2025 6 mins   3

De uma infância pobre no Brasil até à liderança de um grande projeto de inserção social pelo esporte na França, o percurso de Alessandra Machado foi cheio de obstáculos e superação. Ela conseguiu realizar o sonho de fundar uma associação que ajuda mulheres de diferentes horizontes a conquistar o bem-estar e a emancipação.

“É minha luta, porque eu cresci com mulheres, não tinha pai, era só mulher em volta de mim. E esse engajamento com as mulheres e o esporte para mim não é indissociável, porque o corpo da mulher é político. O movimento faz parte da emancipação e todo o processo da minha vida foi em volta disso, do movimento do corpo e da identidade de gênero”, disse Alessandra Machado à RFI.

Filha única de mãe solteira, ela nasceu em Valença, no interior do Rio, e cresceu num ambiente de muita pobreza, mas seguiu o conselho materno de mergulhar nos livros e investir na educação. Em uma viagem à França, encontrou a oportunidade de uma vida melhor para fugir da “miséria econômica”.

“A França era a minha América, minha oportunidade de quebrar meu destino de ser miserável e pobre”, conta. Ela chegou a trabalhar sem documentação legal, pensando principalmente em enviar dinheiro à sua família e, ao mesmo tempo, economizar para trazer as três filhas que ficaram no Brasil.

“Eu trabalhei em restaurante, cuidando de crianças, posando como modelo viva para artistas. Trabalhei até 17 horas por dia para mandar dinheiro para o Brasil e melhorar a situação das minhas filhas”, lembra.

Associação Passer'Elles

Depois de trabalhar dez anos com o ex-marido em um comércio, Alessandra se separou e encontrou na zumba uma oportunidade de dar aulas de dança em Lille, no norte da França. Era o início de uma trajetória que a levou à Federação Francesa de Esporte e Ginástica, onde conquistou, aos 37 anos, seu primeiro diploma, de educadora esportiva.

“Minha segunda formação foi num centro social, com mulheres. Eu senti uma coisa potente ali dentro. Essas mulheres de locais precários têm um poder de resiliência que existia na minha comunidade no Brasil. Foi com essa vontade de criar um coletivo de diversidade, através da animação nos bairros, e fazendo laços com minha história pessoal, que o Passer’Elles nasceu.”

Hoje, já são 45 formações na bagagem, que contribuem para dar a base e sustentação ao projeto Passer'Elles. A iniciativa, criada em 2014, gira em torno de quatro eixos: esporte e vínculo social, esporte e saúde, diversidade inclusiva, e o nomadismo, uma vez que as atividades podem ser realizadas em diferentes locais para atingir um público mais amplo e diversificado.

Nessas mais de duas décadas de atuação na região de Lille, a Associação Passer’Elles desenvolveu e propõe uma série de atividades: ginástica, zumba, atividades cardiorrespiratórias, pilates, caminhadas e até ciclismo.

O esporte pode ser emancipador, mas não sistematicamente, na opinião da brasileira. "Se ele é performance, tem primeiro, segundo e terceiro lugar com pódio e pode ser excludente", argumenta. "Então, isso depende do meio, no qual você vai propor o teu projeto pedagógico para acompanhar alguém", afirma Alessandra. "Eu costumo dizer nas minhas aulas que o esporte é um instrumento. Por isso que os elementos fundadores, que são nossos pilares, podem dar segurança ao projeto”, acrescenta.

Projeto "revolucionário"

Os perfis das mais de 500 mulheres associadas são muito variados: empresárias, médicas, profissionais liberais, desempregadas e migrantes. “Nós podemos ser gratuitos para refugiados, requerentes de asilo, pessoas em situação irregular, pouco importa. Mas as pessoas que ganham mais, pagam mais. A gente junta no mesmo lugar a multiplicidade de pessoas desse país”, explica Alessandra. Acompanhada de uma equipe de 35 voluntárias e cinco educadoras para ajudá-la na realização, ela considera o projeto “revolucionário”.

Aos 52 anos, Alessandra Machado pretende expandir o conceito de sua associação e contribuir para outros movimentos que tenham foco na ação social por meio do esporte.

“Temos várias propostas de modelização com nossa federação e estamos trabalhando para a formação de educadoras inclusivas, que trabalhem o vínculo social, que chamamos de sócio-esporte. Nosso trabalho é focado nessas educadoras", explica a brasileira.

Experiente, ela leva em conta que tudo é modulável, segundo os meios, a geografia, a história. "Não dá para simplesmente copiar um elemento e achar que ele vai funcionar em todos os lugares. Esse conceito de modelização é uma ideia utópica. Mas certamente alguém deve fazer a mesma coisa em algum lugar”, conclui Alessandra.