Preços em queda, oferta de usados em alta: depreciação de carros Tesla na Europa preocupa clientes


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Mar 26 2025 5 mins   7

Depois de registrar quedas consecutivas nas vendas na Europa, agora o aumento da oferta de veículos usados Tesla em plataformas de revenda é mais uma amostra de um fenômeno que os analistas do mercado acompanham desde meados de 2024. A cotação da marca de Elon Musk no continente não para de baixar.

Na França ou no Reino Unidos, o número de anúncios de usados disparou. Na principal plataforma francesa, La Centrale, a alta foi de 40% no primeiro trimestre no ano, na comparação com o mesmo período de 2024, reporta o jornal Le Parisien.

Outros sites de revenda por particulares ou profissionais, como Leboncoin e Aremisauto, também registram aumento de modelos Tesla postos à venda, com preços em queda. Na Inglaterra, a plataforma Gummtree verificou uma alta ainda mais impressionante dos anúncios em um ano, de 128%.

Ao mesmo tempo, os números mais recentes da Associação de Fabricantes Europeias de Automóveis constatam que as vendas de Tesla novos despencaram 49% no bloco europeu em janeiro e fevereiro, no período de um ano – e apesar de a comercialização de veículos elétricos em geral ter subido 28% no continente.

A entrada de Elon Musk na política e as derivas extremistas do CEO explicam parcialmente essa rejeição, mas o declínio da marca começou antes, ressalta Tomaso Pardi, diretor da rede internacional de pesquisas no setor automotivo Gerpisa, ligado à prestigiosa Paris Saclay.

“É preciso ter em mente que o pior inimigo de um carro novo é um carro usado. Para poder diferenciar um do outro, é necessário se renovar sem parar, oferecer novidades, ampliar a oferta para atender a uma demanda que cresceu. Os chineses estão fazendo exatamente isso, a uma velocidade exponencial. Eles lançam novos modelos a cada dois anos, e a Tesla continuou focada em apenas dois modelos, basicamente, o Y e o 3”, aponta.

“Isso tudo me lembra quando a Ford foi superada pela General Motors nos anos 1920: temos um pioneiro, mas se ele não se renova suficientemente rápido e se banaliza, a sua participação no mercado pode baixar muito rápido”, afirma o especialista.

Impactos a médio prazo

Os proprietários buscam se desfazer da mais badalada fabricante de veículos elétricos num momento em que ataques contra os Tesla se multiplicam em diversas cidades europeias. Carros foram queimados em concessionárias ou em plena rua em Toulouse e Deux Sèvres, na França, e em Berlim e Dresde, na Alemanha, nas últimas semanas – em uma repetição na Europa de ataques que começaram nos Estados Unidos.

O parisiense R. aderiu à marca em 2023. Coberto por seguro, o pai de família afirma não temer um ataque – mas tem receio do impacto negativo das posturas políticas de Elon Musk sobre a confiança na empresa. Apesar de gostar do veículo, R. pensa seriamente em passar o carro adiante.

“Nós pensamos muito e o que nos impede hoje é o preço. Se quiséssemos vendê-lo hoje, provavelmente perderíamos dinheiro. Estamos sem opção, inclusive porque ainda não tem um modelo equivalente no mercado europeu”, alega o cliente. “Quando vejo o último Renault 5, que no papel parecia ser bom, mas que logo depois de sair já teve um recall, ou quando vejo os crossover urbanos que não tem nada a ver com o que eu gosto, percebo que os fabricantes europeias não estão reagindo muito bem neste setor de mercado.”

Oferta europeia

As fabricantes europeias têm a vantagem de oferecer uma ampla gama de veículos híbridos, que se mostram atraentes para os clientes neste período de transição para a eletrificação. Mas este é justamente o setor em que os chineses também são agressivos. Os aumentos de impostos de importação aplicados na UE no ano passado têm surtido efeito na competitividade, mas o atraso na concepção dos modelos ainda é flagrante, avalia o analista automotivo Guillaume Crunelle, da Deloitte.

"Hoje, em toda a parte digital, os concorrentes da Ásia ou dos Estados Unidos continuam claramente na frente dos construtores europeus. Por outro lado, os objetivos da UE estão postos, os investimentos estão aí e, pouco a pouco, as marcas europeias fabricam veículos cada vez mais competitivos em termos de oferta tecnológica e eficiência elétrica", diz o analista.

"O problema é que estamos em uma fase de compensar o atraso, mas os concorrentes não demonstram nenhuma intenção de parar de inovar", adverte. É uma corrida contra o relógio entre as fabricantes históricas e aqueles que estão construindo o automobilismo de amanhã."

A principal concorrente da gama Tesla no mercado europeu é a fabricante chinesa BYD – que, em 2024, pela primeira vez, superou a montadora americana nos países da União Europeia. O cliente R. considera a versão chinesa inferior – mesmo assim, ele diz ter certeza que, quando chegar a hora de trocar de carro, não comprará outro Tesla.

“Nós ficamos muito em dúvida, mas hoje tenho certeza que não, a menos que tenha alguma mudança no comando da Tesla. Isso ainda pode acontecer, e foi o caso antes da chegada de Musk, aliás. Mas hoje, com ele no comando e essa visão ultraprotecionista americana dele, é certo que o nosso próximo carro não será da marca”, complementa o parisiense.

Para o pesquisador Tomaso Pardi, a crise na Tesla parece ser conjuntural, mas pode rapidamente se transformar em estrutural. “É claro que, enquanto empresa e no interesse dos seus acionários, seria melhor trocar de CEO e se dissociar de Elon Musk, mas não sei se isso um dia poderá ocorrer”, indica.