O Presidente de Timor-Leste, José Ramos Horta, participou no Fórum Económico Mundial de Davos, destacando a importância da digitalização para a juventude timorense e a adesão do país à ASEAN. A adesão plena de Timor-Leste à ASEAN é "uma prioridade" e deve ocorrer no mês de Maio, afirmou José Ramos Horta.
Esta é a sua segunda participação no Fórum de Davos. Qual é o interesse em se deslocar a este evento?
José Ramos Horta: Creio que esta é a minha quarta participação: participei no início da independência de Timor-Leste, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros. Depois, participei em 2014, quando era representante especial do secretário-geral da ONU para a Guiné-Bissau e depois, em 2023, já como Presidente e agora de novo. A evolução da situação mundial é óbvia, para melhor nalgumas áreas, como a digitalização e a inteligência artificial. Mas, noutras áreas, obviamente, em outra dimensão, muito grave. Começamos em 2020 com a pandemia, com grande impacto nas economias nacionais, um empobrecimento ainda maior dos já pobres, recursos catastróficos em relação aos progressos registados na luta contra a pobreza, e depois, como se isso não bastasse, têm havido grandes catástrofes naturais, inundações graves, incluindo no meu país, dois anos seguidos, inundações e incêndios graves que quase se tornaram um fenómeno anual.
Como se tudo isto não bastasse, a Rússia decidiu invadir a Ucrânia, e isso impactou não só a Ucrânia em si e a própria Rússia, mas também impactou a economia mundial, com a subida dramática dos preços de produtos de consumo de primeira necessidade, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento. Temos agora a eleição do Presidente Donald Trump, o que oferece algumas perspectivas positivas, talvez, vamos ver, e outras que levantam profundas preocupações.
Donald Trump começou o seu discurso, de ontem, a convidar os empresários presentes em Davos a produzirem nos Estados Unidos. Esta é uma declaração que vem confirmar esta política proteccionista norte-americana.
Exacto, mas é natural, obviamente, convidar investidores a investir nos Estados Unidos. É óbvio que qualquer país faz isso, e os Estados Unidos oferecem condições que muitos outros não oferecem. É um mercado riquíssimo, que dá muitas facilidades aos investidores. A economia americana continua forte, o desemprego quase inexistente. Embora os Estados Unidos tenham graves problemas sociais, como milhões de pessoas sem casa, milhões de pessoas a viver em extrema pobreza e violência em muitas cidades americanas. Mas violência a sério, não é um mar de rosas.
Mencionou a importância da adaptação à tecnologia, à inteligência artificial para a população jovem de Timor-Leste nesta participação em Davos. De que forma o governo do seu país está a acompanhar esta transformação digital?
Estamos a acompanhar e, creio, este ano haverá grandes progressos. O cabo submarino que nos liga à Austrália e a outros países do mundo está em vias de conclusão e de entrar em funcionamento. Estamos ligados ao Starlink. As infraestruturas básicas estão a decorrer. Vamos dar um grande salto em frente neste domínio. Os jovens timorenses têm muita inclinação para a área de ciências, tecnologia e informática. Temos cada vez mais timorenses a viver no exterior, na Austrália, na Coreia do Sul, na China, claro, no Reino Unido, em Portugal.
Durante esta sua participação na sessão sobre a Associação das Nações do Sudoeste Asiático, saudou o trabalho da organização e perguntava-lhe sobre o roteiro implementado pela ASEAN para adesão plena de Timor-Leste vai acontecer em Maio?
É uma prioridade absoluta para nós. A adesão à integração plena na economia regional e na diplomacia regional deve acontecer em Maio e vai elevar a voz de Timor-Leste dentro de uma organização que tem cerca de 700 milhões de pessoas, muito maior que a União Europeia e quase todo o continente africano, que tem mais de mil milhões de pessoas. Só a ASEAN tem quase 700 milhões. Depois tem uma economia de trilhões de dólares, com uma população jovem, como a nossa, que é a mais jovem de todo o Sudeste Asiático, de toda a Ásia, com uma população cada vez mais educada. Nos próximos anos, Timor-Leste vai beneficiar muito da nossa integração regional.
A região da Ásia-Pacífico enfrenta várias tensões geopolíticas, mas o seu país continua a ser uma das excepções felizes.
Claro, obviamente os outros países da região têm 50, 60, 70 anos de existência. Timor-Leste tem 25 anos de existência. Nos últimos 20 anos, desde a independência, houve transformações dramáticas que muitos idiotas que escrevem ou falam sobre Timor não dão conta, porque não leem, não pesquisam dados simples. Em 2002, nós tínhamos um doutorado. Hoje temos centenas de doutorados das melhores universidades da região e do mundo. Em 2002, nós tínhamos 19 médicos. Hoje temos 1300 médicos. Em 2002, tínhamos praticamente electricidade só em Dili. Hoje, a electrificação atinge 97% do território nacional. Em 2002, a esperança de vida de um timorense era inferior a 60 anos. Hoje ronda os 70 anos. Esses são os grandes progressos feitos desde a independência.
Esteve esta semana em Davos, na Suíça. Qual é a visibilidade que teve a lusofonia e a Ásia neste encontro mundial?
Diria que Timor-Leste é o único país, ou um entre muito poucos países de dimensão demográfica semelhante à de Timor-Leste, com pouco mais de 1 milhão de habitantes e uma economia ainda muito pequena, que tem uma participação activa neste grande fórum. Como Prémio Nobel da Paz e como pessoa que tem uma rede de contactos mundiais, fui convidado pessoalmente pelo professor Klaus Schwab, que é amigo, e que conheço há mais de 20 anos. Eu nem sequer estava interessado em vir mais uma vez a Davos, mas foi o professor Schwab, o Presidente do Fórum, que insistiu para eu participar, para diversificar os debates, para não ser tudo sobre a Ucrânia, mas também sobre outros países do mundo, sobre outros problemas, mas também sobre outras possibilidades e oportunidades.
Timor-Leste é um país mais democrático. Hoje, na Ásia, com o ranking em liberdade de imprensa, é o melhor entre todos os países do Terceiro Mundo. Timor-Leste é o único país do Terceiro Mundo, dos países em vias de desenvolvimento, que está no ranking entre os primeiros 20. Em 2023, nós estávamos entre os primeiros dez. Portugal estava em 9º, Timor-Leste em 10º. Enquanto a França, Inglaterra em 27º, Alemanha estavam depois, os Estados Unidos em 40º, Itália e Austrália. Timor é o único de todos os países em vias de desenvolvimento de mais de 100 que está nos primeiros dez. É a melhor democracia da Ásia. Portanto, isso chama a atenção.
Timor-Leste é um dos poucos países do mundo com uma dívida externa muito pequena. 13% do nosso PIB é investido no Tesouro americano. Daí que insistem para a nossa participação. Eu creio que Moçambique, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau não estiveram em Davos. Portugal esteve. Eu estive com o senhor ministro dos Estrangeiros. O Brasil, creio que não, nem da Guiné Equatorial. Portanto, eu creio que em Davos, apenas Portugal e eu próprio estivemos, e participei em inúmeros ateliers. Talvez tenha sido a pessoa que mais participou, em números, em alguns debates fechados.
O Presidente norte-americano pediu à Arábia Saudita e à OPEP para baixarem o preço do petróleo para acabar com a guerra na Rússia e na Ucrânia. Esta estratégia fará sentido, a seu ver?
Não me parece que a Arábia Saudita e os outros países da OPEP vão digerir essa proposta do Presidente Trump. Numa situação dessas, seria uma punição em relação à Rússia. Isto é, forçar artificialmente a baixa do preço do petróleo para punir a Rússia é, obviamente, algo complicado.
A Rússia é um dos maiores produtores mundiais e depende muito do petróleo. Tem relações excelentes com os outros países e a Arábia Saudita está numa fase de grande desenvolvimento, industrialização e investimento. Internamente, não pode dar-se ao luxo de baixar artificialmente o preço do petróleo, porque há um excesso de produção mundial. Obviamente, não há outra forma. Mas forçar artificialmente a baixa do preço do petróleo... Eu creio que a Arábia Saudita e os outros não vão fazer isso. Seria muito difícil para esses países, numa situação actual, com grandes dificuldades na economia mundial.