Angola: Tuberculose continua a ser um problema de saúde pública


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Mar 31 2025 9 mins   3

A tuberculose continua a ser um problema de saúde pública significativo em Angola. Em 2020, o Relatório Global sobre a Tuberculose da OMS indicava uma taxa de incidência de cerca de 361 casos por 100.000 habitantes no país, ou seja, uma das taxas mais altas do mundo. Em 2024, em Luanda, foram registados quase 29.000 casos de tuberculose e mais de 1.000 mortes. Neuza Lazzari, chefe do Departamento de Saúde Pública do Gabinete Provincial de Luanda, afirmou que a tuberculose está muitas vezes associada a condições deficientes de higiene e à falta de acesso a cuidados de saúde.

Em 2024, em Luanda, foram registados quase 29.000 casos de tuberculose e mais de 1.000 mortes. Qual é a principal causa da elevada incidência de tuberculose na capital angolana?

A tuberculose é uma doença infecciosa causada por uma bactéria, o Mycobacterium tuberculosis, transmitida pelo ar, que afecta principalmente os pulmões, mas pode também afectar outros órgãos.

É preciso compreender que não há qualquer diferença entre a tuberculose que afecta os angolanos, actualmente, e a tuberculose diagnosticada em outros países.

No entanto, a tuberculose está mais ligada a condições, principalmente deficientes, de higiene, e em Angola essa situação é mais frequente.

Uma situação de pobreza, a falta de acesso a cuidados de saúde e condições de vida precárias contribuem para o aumento de casos de tuberculose?

Sim. Sendo uma doença muito mais frequente em pessoas de nível socioeconómico baixo, a tuberculose também pode afectar pessoas com nível socioeconómico mais alto.

Passo a explicar: eu posso ser uma pessoa pobre e trabalhar numa residência de alguém rico, mas com uma imunidade baixa. Nessa situação, essa pessoa está sob o risco de apanhar a doença, não porque vive em situação de pobreza, mas porque está exposta à contaminação, uma vez que se trata de uma doença provocada pelo contacto com as gotículas de saliva expelidas pela pessoa infectada.

Por exemplo, as pessoas fumadoras, que têm HIV, pacientes que fazem diálise, com cancro e que tenham uma imunidade baixa são pessoas que podem ser facilmente contagiadas com a bactéria.

Estas pessoas que acabou de citar fazem parte do grupo mais vulnerável, mas também há os idosos e as crianças…

Exactamente. Também é uma doença muito comum nos serviços prisionais, devido ao aglomerado que lá se vive. São, muitas vezes, locais fechados, com pouca circulação de ar. Portanto, é também um grupo de risco.

Quantas pessoas foram afetadas pela tuberculose em Luanda? Qual é a taxa de mortalidade associada a esta endemia?

Posso apresentar apenas os dados relativos a 2024 na província de Luanda, lembrando que anteriormente a capital angolana tinha nove municípios e agora tem 16 municípios. No entanto, entre Janeiro e Dezembro de 2024, foram notificados 28.761 casos e registaram-se 1.040 óbitos neste período.

Em 2023, foi apresentado um plano de luta contra a tuberculose. Estes números, que acabou de detalhar, significam que as medidas tomadas pelas autoridades falharam?

Não! Se compararmos 2024 com 2023, houve uma redução do número de casos de tuberculose. Mas para nós, não obstante ter-se registado uma redução de casos, uma morte é sempre uma morte. O nosso objectivo é deixar de ter uma elevada taxa de incidência de tuberculose.

No entanto, a saúde não trabalha sozinha. Existe a doença, existem os programas e existem os esforços do Governo para apetrechar as unidades e garantir a disponibilidade de medicamentos.

Mas temos outros factores, como o da pobreza, fazendo com que a pessoa infectada acabe por infectar outras pessoas. Por isso, defendemos que as pessoas que vivem em condições de pobreza devem receber mais apoio social.

Quais são as medidas do Governo para prevenir a tuberculose?

Uma das coisas fundamentais, que é responsabilidade do Governo, é disponibilizar a vacina BCG desde a infância. Evitar os aglomerados, sabendo que em muitas residências que têm apenas um quarto e uma sala coabitam três ou quatro famílias. São estas condições que vemos não só na capital, na província de Luanda, mas também no interior do país.

Por exemplo, as pessoas que têm a doença, mas que ainda não estão em tratamento, vão expelindo o bacilo e, se estiverem em contacto com outras pessoas, vão infetá-las. Por isso, essas pessoas devem usar máscara. Também deve ser feita uma busca activa nas comunidades, realizada pelos profissionais de saúde e também por agentes comunitários, para identificar as pessoas que têm a doença e que, por algum motivo, não estão a fazer a medicação. Essas pessoas devem ser encaminhadas para as unidades sanitárias para cumprirem o tratamento.

O que acontece, muitas vezes, é que o paciente chega demasiado tarde ao hospital, ou então desenvolveu resistência ao antibiótico…

Sim, e por isso fazemos palestras nas escolas, nas igrejas, nos mercados, nos serviços prisionais e nas instituições. Há um grupo da área de promoção da Saúde que faz essa sensibilização — todos os dias — nas unidades sanitárias. Os médicos e enfermeiros fazem uma pequena palestra matinal sobre os riscos que podem surgir para a saúde se não respeitarem o tratamento.

Existe algum apoio internacional para combater esta doença?

A nível da província de Luanda, temos a colaboração do Programa Nacional de Combate à Tuberculose e recebemos apoio técnico também da Organização Mundial da Saúde.

Existe um plano para fortalecer o sistema de saúde em Luanda, para prevenir futuros casos de tuberculose?

Existe o Plano Nacional definido pelo Ministério da Saúde de Angola para a província de Luanda. Temos consciência de que precisamos melhorar o diagnóstico laboratorial, principalmente com o GeneXpert [um sistema de diagnóstico molecular que utiliza a tecnologia PCR para detectar o DNA de micobactérias, incluindo o Mycobacterium tuberculosis], um aparelho que nem todas as unidades disponibilizam.

Conhecendo o número de casos, associado à situação de extrema pobreza que se vive na província de Luanda, o GeneXpert seria um aparelho importante para detectar os casos de resistência múltipla, porque muitas vezes esses pacientes mudam de unidade sanitária e os técnicos de saúde não sabem se o paciente continua noutra unidade, se cancelou as consultas ou se abandonou o tratamento.

Precisamos melhorar as estruturas das unidades de tratamento e diagnóstico. Enquanto província de Luanda, contávamos com a unidade do Centro de Endemias e Tratamento, a unidade que faz o internamento dos pacientes com tuberculose. Agora, com a nova divisão política, Luanda perdeu essa unidade. Continuamos a ter boas relações com a direcção da instituição, mas seria importante, a nível da província de Luanda, identificar outra unidade com capacidade similar para atender estes casos, para evitar as distâncias e diminuir a procura pelos serviços devido às distâncias. [Em 2024, a província de Luanda contava com 21 unidades de tratamento e 40 unidades de diagnóstico para a tuberculose].

A tuberculose é uma doença tratável, se for diagnosticada precocemente. No entanto, continua a ser uma das doenças mais infecciosas e mortais em todo o mundo. Como se explica essa realidade?

As condições socioeconómicas, de extrema pobreza, representam uma grande dificuldade na luta contra a tuberculose. Hoje em dia, em Angola, com os transtornos económicos e o encerramento de unidades privadas, principalmente após a pandemia de Covid, há uma maior procura pelos serviços públicos. Essa procura provoca uma sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde.

Confirma-se uma sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde?

Sim, a tuberculose é um problema, mas a malária é praticamente o prato do dia a dia, acabando por ser a principal causa não só de atendimento, como de internamento.