Jan 31 2025 18 mins 6
Cada dia mais usuários adentram as redes sociais das Big Techs, como Facebook, Instagram, Threads, e assim por diante. Em 2024, mais de 5 bilhões de pessoas estavam usando as redes sociais, e esses usuários precisam de espaço de armazenamento para guardar seus arquivos, novos data centers precisarão ser construídos para atender às crescentes demandas. Mas qual é o impacto ambiental causado por essas estruturas de armazenamento de dados?
Esta inquietação levou a Juliana Vicentini e o Rogério Bordini, a produzirem esta série de podcasts, em três episódios, para tratar do tema Impactos socioambientais das Big Techs, como parte do trabalho de Conclusão de Curso da Pós-Graduação em Jornalismo Científico, um programa do Labjor em parceria com o Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências, da Unicamp.
Os três episódios que compõem a série são: 1) Uma luz que nunca se apaga, (2) Por dentro da nuvem e (3) Pistache, cookies e muita soberania. Neste primeiro, os jornalistas científicos ouviram Alexandre Ferreira, pesquisador do Recod.AI, um laboratório de Inteligência Artificial da Unicamp e o engenheiro ambiental Plínio Ruschi, gerente de projetos climáticos na BRCarbon.
Acompanhe a série completa!
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Roteiro
Rogério: Noutro dia eu tava largado no sofá de casa scrollando pelo meu Google Photos, revendo umas imagens e vídeos antigos. Vi umas fotos de uma viagem que fiz a Curitiba pra participar de um congresso nos idos de setembro de 2016. Eu já nem lembrava mais dessas fotos, mas foi nostálgico rever aqueles parques floridos e arranha-céus curitibanos.
O curioso é que entre aquelas fotos, havia algumas super tremidas e um vídeo estranho de meus pés andando na rua. Sabe quando a gente põe o celular destravado no bolso e sem querer ele acaba gravando um vídeo ou até ligando pra alguém? Pois é, foi isso. E o resultado não foi diferente: tudo literalmente com pés, mas sem cabeça. Eram mais de 300 megabytes de nada, ali, entocados nas profundezas da nuvem, ocupando o sofrido limite de armazenamento gratuito que esses serviços geralmente oferecem.
Daí uma pulga me perseguiu por dias: como essas imagens ficam assim, armazenadas, acessíveis e disponíveis por anos a qualquer momento? Quem cuida delas? Será que alguém no mundo viu esse meu vídeo esquisito? Não sou lá grande conhecedor dos sistemas de informação, mas sei que esses arquivos ficam hospedados em grandes centros de dados espalhados pelo mundo – os chamados data centers, ou simplesmente “nuvens”, para os mais poéticos.
Alexandre Ferreira: A gente vive no mundo onde cada vez mais a gente tem se movimentado, a nossa vida real para o mundo digital.
Rogério: Esse quem fala é Alexandre Ferreira, especialista em computação verde e pesquisador membro do Recod.AI, laboratório de inteligência artificial da UNICAMP.
Alexandre Ferreira: Então, cada vez mais dependente das tecnologias, cada vez gerando mais dados, então, a gente vive nesse mundo Big Data, que é uma massa gigantesca de dados, não estruturada, e a gente usa cada vez mais esses recursos que a gente fala que está na nuvem, afinal de contas, o que é a nuvem? Então, isso está em algum lugar, quando você usa um recurso. Ah, estou usando agora, não estou mais instalando um aplicativo no meu celular ou no meu computador pessoal, meu notebook, meu desktop, estou usando agora um aplicativo que ele está na web, está na nuvem. Isso está rodando em algum lugar, está rodando em algum servidor, em algum grande centro de dados, e nesse servidor está consumindo energia elétrica, está causando algum impacto ambiental.
Empresas dominantes do setor de tecnologias, as Big Techs – como Google, Apple, Amazon, Meta e Microsoft – constroem ou alugam esses espaços para guardar milhares de dados e informações de seus usuários. Dentre eles, nossas informações, documentos, imagens e vídeos, como aquele desajeitado que gravei em Curitiba.
Plínio Ruschi: Quando a gente fala das Big Techs, vale a pena esclarecer para as pessoas o que são essas empresas.
Rogério: Esse quem fala é Plinio Ruschi, engenheiro ambiental formado pela UNESP, que atua como gerente de projetos climáticos na BRCarbon.
Plínio Ruschi: São empresas que atuam no setor de tecnologia e de inovação, e apresentam uma dominância bem grande no mercado. São as empresas que fornecem pra gente os serviços de nuvem, as plataformas de streaming, as redes sociais, e assim por diante. Acho que todo mundo usa alguma forma desses serviços hoje em dia.
Rogério: Mas foi aí que a pulga coçou mais. Esses centros, que diariamente recebem quantidades absurdas de dados de usuários, certamente demandam grande quantidade de recursos naturais para funcionarem, como energia para manter os servidores ligados, ar-condicionado para equilíbrio térmico, e assim por diante.
Plínio Ruschi: São estruturas né, que consomem muita energia, seja de modo direto, quando essas máquinas estão conectadas na rede elétrica, ou seja aí de um modo indireto, já que essas estruturas aí precisam de refrigeração, climatização e tudo isso.
Rogério: E a cada dia mais usuários adentram as redes sociais das Big Techs, como Facebook, Instagram, Threads, e assim por diante. Pra se ter uma ideia, segundo uma pesquisa do Backlinko, em 2024, 5,17 bilhões de pessoas estão usando as redes sociais, um aumento anual de 4,44% em relação aos 4,95 bilhões de 2023. Como esse pessoal todo precisa de espaço de armazenamento para guardar seus arquivos, novos data centers precisarão ser construídos para atender às crescentes demandas.
E, considerando a crise climática que vem se agravando ano após ano, a indagação que fica é: onde que esse aumento vertiginoso de geração, consumo e armazenamento de dados irá parar? Não sei, mas me assusta pensar que em algum canto do mundo, há uma máquina ligada e consumindo recursos naturais só para guardar aquele vídeo dos meus pés caminhando por Curitiba. Uma luz piscando em algum servidor no mundo.
(pausa para apresentação do podcast e dos apresentadores)
Rogério: Meu nome é Rogério Bordini e nessa série eu e minha amiga Juliana Vicentini vamos investigar como as Big Techs têm sorrateiramente impactado nosso meio ambiente, e por que isso nos acende um alerta para o futuro – literalmente.
Juliana: Além disso, com o boom das inteligências artificiais ao final de 2022, pesquisas recentes têm apontado como o treinamento e uso dessas IAs têm utilizado uma enorme quantidade de recursos naturais pra funcionarem. Vem com a gente!
(pausa para fade-out da música)
Rogério: Episódio 1 – Uma Luz Que Nunca se Apaga
Canal MIT Technology Review Brasil: 2024 será um ano decisivo para as Big Techs, não pelos desafios tecnológicos, e sim, pela regulamentação. Acaba de entrar em vigor na União Europeia a Lei dos Mercados Digitais. Ela estabelece regras rigorosas para as empresas enquadradas como Gatekeepers, ou seja, aquelas que na prática controlam as porteiras do mundo digital, que são responsáveis por serviços essenciais como buscas na internet ou a instalação de aplicativos. Mas é preciso deixar bem claro que na União Europeia, pelo histórico nos últimos anos, não vai ter espaço para enrolação, quem descumprir as regras, está sujeito a multas pesadíssimas.
Canal Tecnopolítica: O relatório de 2024 dessa agência, dessa Associação Internacional de Energia, ela traz um dado extremamente preocupante: que o consumo de eletricidade dos data centers nos Estados Unidos aumentará de 200 terawatts, energia de 2022, para 260 terawatts em 2026. Isso representará 6% da demanda total de energia. Porque que isso é preocupante? Porque essa demanda equivale, segundo a Agência Internacional de Energia, ao consumo anual de eletricidade do Japão, que é um país energointensivo que gasta muita energia elétrica.
Juliana: De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia de 2024, os data centers das Big Techs consomem até 50 vezes mais energia por metro quadrado do que escritórios comuns que vemos no dia a dia. Isso representa de 1 a 1,5% do uso global de eletricidade, com uma demanda projetada para aumentar de 10% a 60% até 2030, o que pode contribuir bastante pras emissões de gases de efeito estufa. Isso também se deve aos modelos de computação em nuvem destas empresas, além da forma como elas coletam nossos dados.
Rogério: Mas por que eles precisam de tanta energia assim?
Juliana: O problema é que esses centros demandam grandes quantidades de água para resfriamento de seus servidores, onde os dados são armazenados. Segundo uma reportagem da AP News, por exemplo, o modelo ChatGPT-4 da OpenAI foi desenvolvido com um supercomputador que consome muita água para resfriamento. Entre 2021 e 2022, a Microsoft aumentou 34% de seu consumo de água, em parte devido às pesquisas em IA. Já a Google divulgou que em 2023, seus data centers consumiram mais de 6 bilhões de galões de água, um aumento de 17% em relação ao ano de 2022. Isso gerou preocupações sobre o impacto ambiental da IA por parte de especialistas. Quem pode nos explicar melhor sobre como acontece esse uso de água é o Alexandre.
Alexandre: Esses servidores que estão realizando esse processamento geram muito calor. Então, você pode fazer um paralelo o seguinte, quanto mais poder computacional eu preciso, mais calor eu vou gerar. Então, você precisa desenvolver mecanismos para que esses equipamentos tenham algum tipo de refrigeração. Eles precisam baixar a temperatura deles, porque se não eles vão parar de funcionar, no sentido de que eles têm um mecanismo de proteção e eles se auto desligam quando chegam em temperaturas que são altíssimas, que eles não suportam mais. Então, é isso mesmo para refrigerar e existe realmente esse uso, só que o que existe também são diversas técnicas e várias empresas estão testando. O problema é desenvolver uma solução que seja economicamente viável, para que as empresas possam implementar esse tipo de coisa.
Juliana: Pra você ter uma ideia, esse uso de grandes quantidades de água pode colocar pressão sobre fontes locais e prejudicar a vida aquática. Segundo pesquisadores da Cornell University, estima-se que o ChatGPT-3 consome 500 ml de água para uma quantidade de respostas que varia entre 10 a 50, dependendo do local no qual o data center estiver. Isso seria equivalente a uma garrafa de água.
Rogério: Parece pouco, mas multiplique isso pelo tanto de pessoas usando a IA no mundo e ao mesmo tempo?
Juliana: Exato.
Rogério: Então quer dizer que não vou mais poder usar o ChatGPT pra me ajudar na correção de texto e na criação de meus memes?
Juliana: Não é bem assim. Embora haja ótimas pesquisas que forneçam pistas nesse sentido, como da Sasha Luccioni, pesquisadora de inteligência artificial e líder climática da empresa Hugging Face, o Alexandre disse que medir o uso de recursos naturais não é tão simples assim.
Alexandre: Esse tipo de conversão que eu acho que é difícil de fazer, mas quando eu trabalhei, durante o meu doutorado, por exemplo, a gente tentava justamente quantificar quanto de energia elétrica, mesmo, qual que era o consumo em linhas de código. Então, eu tô comparando dois algoritmos diferentes, só que um consegue fazer, sei lá, dois terços do tempo, metade do tempo do que outro algoritmo. Se eu consigo fazer isso, esse algoritmo está sendo mais eficiente, mas como é que eu converto esse tipo de coisa, se eu consigo ter o mesmo cenário, existem alguns benchmarks, alguns equipamentos até algumas coisas que você consegue medir. Olha, eu tô rodando esse algoritmo, tô desempenhando essa tarefa e tô consumindo tanto. Eu faço o mesmo setup, a mesma coisa, e rodo outro algoritmo. No geral, ele é mais rápido, se não é mais rápido, ele consome menos computação, digamos assim. Às vezes pode acontecer também, o tempo não é o único fator, você pode ter um algoritmo que é mais simples, do ponto de vista computacional, mas não necessariamente mais rápido, mas isso vai fazer com que não queime o meu processador lá, a minha máquina, não esteja no nível tão alto de uso. Então, isso faz com que eu consiga compartilhar esse recurso com mais outras aplicações. Então, é a mesma coisa que no seu celular. Imagina só, se você não quer que uma aplicação queime toda a sua bateria em pouco tempo, você quer que você está rodando sua aplicação, o seu aplicativo aqui dentro do seu celular, mas ele tem que compartilhar isso com o outro, ele não pode dominar todo o recurso só para ele.
Juliana: E embora a medição do consumo exato de recursos naturais possa ser desafiadora, repito aqui a fala da pesquisadora Sasha Luccioni num episódio do podcast “Tech Won’t Save Us”: bom senso é tudo. É claro que os impactos mais nocivos são causados pelas Big Techs, e ações individuais podem surtir pouco efeito, mas se criarmos alguma consciência coletiva, já será um grande passo.
Rogério: É? Mas como?
Juliana: que tal não ficar subindo todas as suas fotos na tal da nuvem, principalmente aquelas que não têm nada com nada?
Plinio Ruschi: Bom, como usuários finais aí das Big Techs que nós somos, existem algumas coisas que a gente pode fazer para reduzir um pouco né, esse impacto, essa pegada das empresas. E eu posso citar aí como um dos principais que a gente evite, o armazenamento de dados desnecessários nas nuvens, já que como a gente falou, para esse armazenamento ocorrer é necessário um grande consumo de energia elétrica. Então para cada megabyte que a gente está salvando na nuvem, por exemplo, existe ali uma quantidade de energia que precisa ser consumida diariamente, instantaneamente, para armazenar esse nosso dado. A gente está acostumado com a oferta de grandes espaços nas nuvens e às vezes a gente não faz uma seleção acurada do que a gente carrega lá dentro, foto repetida, documento obsoleto. Às vezes a gente guarda documento na nuvem, apólice de seguro que a gente recebe por e-mail em PDF e salva lá dentro. E aí às vezes a gente vai naquela pasta lá dos seguros, seguro do carro e encontra lá a apólice de seguro que venceu há mais de cinco anos, ou quando a gente vai tirar uma foto, a gente sempre tira várias fotos para garantir que fique a melhor. Mas às vezes a gente não apaga aquelas outras fotos que a gente tirou. Consumo consciente desse serviço também é uma forma de reduzir aí as emissões de carbono.
Juliana: E nem você e nem as empresas de tecnologia precisam de IA para tudo. Olhe ao seu redor: uma gama de produtos e serviços têm incorporado uso de IAs, desde as recomendações de séries que você recebe no streaming até escovas de dente e produção de whisky. Além disso, coisas básicas como fazer uma conta ou escrever um texto podem ainda ser feitas pelas ferramentas comuns de nosso dia a dia, como fazíamos até pouco tempo atrás. Aliás, ouvi falar de uma tecnologia incrível que está chegando no mercado: chama-se calculadora.
Rogério: Mas é que o ChatGPT faz tudo tão rápido. Às vezes até converso com ele…
Juliana: Já experimentou ligar pra um amigo? Mas brincadeiras à parte, o bom senso do indivíduo é uma gota no oceano frente ao uso de IA para automação de processos produtivos, por exemplo. O que precisa estar no centro do questionamento é como a otimização de processos na verdade compromete o meio ambiente.
Rogério: E negar essas tecnologias que têm trazido boas aplicações no cotidiano, como para medicina personalizada e previsões climáticas, talvez não seja mais uma possibilidade. A nós resta incentivar o debate sobre regulação destes recursos, além de analisar e cobrar como as empresas têm se preocupado ativamente com os impactos socioambientais de seus softwares. Por exemplo, a Hugging Face, empresa estadunidense que desenvolve ferramentas de acesso aberto de computação para criar aplicativos usando aprendizado de máquina, tem se preocupado em analisar os impactos socioambientais das tecnologias que desenvolvem. Ouvi dizer que eles até prestam suporte para empresas medirem o quanto de carbono seus modelos de IA geram.
Inteligência Artificial: Por exemplo, eu ChatGPT4 gastei quase 0,02 gramas de gás carbônico para gerar essa resposta em milissegundos. Acha pouco? Uma cidade de 60 mil habitantes me usando ao mesmo tempo, gastaria 1,2 quilogramas, quase a mesma emissão produzida por um carro andando por quase uma hora. Multiplique isso pelo restante do mundo. Um beijo. Kkkkkkkk.
Rogério: Nesse mesmo sentido, o modelo de linguagem Claude da empresa Anthropic, que é parecido com o ChatGPT, tem despontado como uma tecnologia que leva em consideração os perigos da IA, como vieses de raça, por exemplo, além de ser mais seguro aos usuários.
Juliana: Mas esse assunto sobre data center ainda dá muito pano pra manga e vamos continuar a falar sobre isso no próximo episódio. Com a ajuda de especialistas no assunto, vamos entender como funcionam de fato esses mega centros, seus impactos ambientais e como o Brasil se revela como um local estratégico para a sua instalação.
Faremos uma viagem pelas nuvens! E lembrando que todas as referências, fontes e entrevistas utilizadas neste episódio estão na descrição.
Juliana: Uns avisos aqui. No episódio 180 do Oxigênio, o Pedro Duarte falou sobre Soluções Baseadas na Natureza, algo que comentamos no início do episódio. Escuta lá.
Rogério: Esta série foi criada, roteirizada e apresentada por mim, Rogério Bordini e pela Juliana Vicentini e é parte do nosso trabalho de conclusão do curso de Especialização em Jornalismo Científico do Labjor na Unicamp.
Juliana: A orientação do projeto foi do Rafael Evangelista e da Simone Pallone, que também revisou o roteiro.
Rogério: Os trechos que você ouviu no começo do episódio foram extraídos respectivamente dos canais MIT Tecnology Review Brasil e Tecnopolítica do Prof. Dr. Sérgio Amadeu da Universidade Federal do ABC. A edição do episódio foi feita por mim, Rogério Bordini.
Juliana: Um beijo.
Rogério: Tchau!