Diretamente dos anos 1980 do Sertão do Cariri do Ceará, a memória de hoje nos leva para dentro dos contos de Raimundo, um devoto de Nossa Senhora da Imaculada Conceição que buscava solucionar o crescente número de criadores de aves em gaiolas da sua região.
| Sertão Sem Nó: EP37 - A Gaiola de Madeira.
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Acessibilidade (Texto do episódio de hoje):
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Olá, pessoal.
Eu sou Jefferson Sousa e este é o Sertão Sem Nó, podcast sobre memórias individuais e coletivas dos sertões nordestinos.
Contamos com a sua curtida, compartilhamento do nosso trabalho e avaliação com cinco estrelas para nos ajudar a chegar em mais gente e, assim, continuarmos com este trabalho que é totalmente independente. Para nos apoiar ou acessar outras informações, é só olhar o texto da descrição deste episódio. Ah, e na descrição também há todo o episódio de hoje transcrito texto por texto, uma acessibilidade para que o nosso público com deficiência auditiva possa acompanhar todos os detalhes do nosso episódio.
Demais avisos, nomes de apoiadores e outros agradecimentos vêm após a nossa história de hoje.
Que começa agora e é intitulada de A Gaiola de Madeira
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A memória de hoje foi enviada pela ouvinte Thiele Maria, que diz ter ouvido de seu avô, Adalberto, que era natural da cidade de Caririaçu, no sertão cearense. A história por ele contada e aqui repassada por sua neta aconteceu em Grajeiro, o menor município cearense, que fica próximo a Caririaçu.
A cidade de Granjeiro está inserida no sertão do Cariri, região inicialmente habitada pelas nações indígenas dos Cariris, que colonizaram o sul do Ceará e estados vizinhos.
Dentro do município, destaca-se turisticamente a capela de Santa Vitória, situada no Boqueirão do Riacho do Meio, local que abriga exclusivamente a Comunidade dos Penitentes ou religiosos de São Vicente.
A padroeira de Granjeiro é Nossa Senhora da Imaculada Conceição e é por esta santa que começamos a nossa história, que vem de meados de 1981...
Abre aspas "Santa Maria, Rainha dos céus, Mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais." fecha aspas
Assim começa uma das mais populares orações católicas à Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Era apenas este início que Raimundo sabia decorado e toda vez repetia antes de aniquilar qualquer ser vivo a favor de seu benefício, como abates de galinhas, suínos e gado. Era o seu trabalho e por mais que tivesse o entendimento da dignidade do trabalho, se sentia mal pelo sangue dos animais.
Naquele tempo, não se discutia proteção aos animais na frequência dos dias de hoje, nem mesmo nas capitais, nas universidades. Raimundo, iletrado e trabalhador de ganho, é que não começaria a fazê-lo em contramão de toda uma sociedade.
Porém, de todas os seus desgostos diários, o que mais lhe cortava o peito era ver os tantos pássaros enjaulados na frente de praticamente toda casa que passava. Cantavam de dentro das casas, os pássaros presos, e os de fora, nas árvores, os livres, como se estivessem pedindo ajuda pelos iguais encarcerados.
Pelo menos era assim que Raimundo entendia.
Sem dinheiro para comprá-los e depois soltá-los, nem coragem para ir libertá-los a força, Raimundo usou de seus saberes de trabalhador braçal e iniciou uma construção de algumas gaiolas de madeira do tamanho de uma pessoa adulta.
A sua ideia, em princípio, era colocá-las nas casas dos mais influentes capturadores e vendedores de pássaros das cidades próximas, a fim de assustá-los, de criar uma história mal assombrada em torno deles, para ver se o povo teria consciência e paravam com tudo aquilo.
Após semanas de economias comprando madeiras e outras semanas construindo as obras, Raimundo tinha terminado três delas, o que, para os seus planos até ali, já eram suficientes.
A primeira apareceu na casa de José do Algodão, que em vez de se assustar, chamou todos os amigos dizendo que aquilo era um sinal do bom Deus, uma gratidão divina sobre como ele cuidava bem dos pássaros enjaulados.
Vale reforçar que daquela época até os dias de hoje, as estúpidas pessoas que criam pássaros em gaiolas de forma ilegal acreditam fielmente que estão, na verdade, fazendo um favor, que por causa deles os pássaros vivem melhores e mais seguros. Sim, é um pensamento extremamente burro, não tem outra palavra. Burro e egocêntrico, porém, é o que guia a mente de alguém que retira a liberdade de viver de um pássaro.
Mas, bem, não é que os criadores de pássaros realmente entenderam aquela gaiolona de madeira como um sinal divino de suas ações?
Raimundo, quando ficou sabendo, ficou inconformado, mas logo pensou: vou colocar a segunda no meio dos algodões que José planta. Ele vai ver a sua pequena colheita destruída e vai entender aquilo como algo negativo.
Assim o fez e, José interpretou aquilo como um sinal divino de que ele deveria parar de plantar e, na verdade, ampliar ainda mais a captura e venda de pássaros.
Raimundo, passou duas semanas consternado vendo José capturando praticamente todos os seres voadores da região. Estavam em um local majoritariamente composto por zonas rurais, rodeados de mato, e não dava para ouvir mais nenhum pássaro.
Certo dia, Raimundo, como ato final, foi ao padre se confessar. Contou do que tinha feito e recebeu o perdão católico. Saindo da igreja, olhando uma pequenininha imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, disse baixinho, "Santa Maria, Rainha dos céus, Mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais."
Raimundo saiu da cidade desde aquele dia e só foi lembrado dois anos depois pelos contos populares da região. O povo dizia que achava que tinha sido ele o autor das três gaiolas que apareceram na casa de José do Algodão, primeiramente duas, depois uma terceira, pois ele era o único abertamente defensor dos animais e contrário as gaiolas, mas já outras pessoas diziam ser obra do acaso, que Raimundo, cabrunco do mato da forma que era, não teria saberes para aquelas construções, muito menos para toda a execução que foi o aparecimento da terceira gaiola, que surgiu no meio da agora abandonada pequena plantação de algodão de José, milimetricamente bem posta no meio do terreno, com José, morto dentro dela.
Os mistérios em volta das gaiolas e do assassinato de José, assim como o sumiço daquele tal Raimundo que ninguém via há muito tempo, fizeram muitas pessoas abrirem as gaiolas de suas casas com medo do defensor dos pássaros.
O avô de Thiele ouviu essa história de contadores de Granjeiro e, apesar de a narrativa fazer mais sentido com o pequeno município cearense devido a sua padroeira bater com a reza do personagem, é possível, também, que ela tenha vindo de outra área e adaptada nas rodas de conversa da época da juventude de Adalberto, o mais importante é que ela está aqui, salvaguardada e dividida com você, ouvinte do nosso Sertão Sem Nó.
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