#36 - O Boi Derradeiro


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Jan 12 2024 10 mins   2

O episódio de hoje traz uma memória conhecida por alguns interiores de estados nordestinos: um boi e seu dono passaram a ter uma conexão que muitos duvidaram até um inesperado acontecimento criminoso acontecer.


| Sertão Sem Nó: EP36 - O Boi Derradeiro.

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| 👉 Pesquisa, roteiro e locução: Jefferson Sousa (@JeffGarapinha). |

| 👉 Memória: de Paulino, repassada por Lucas Romano.

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Acessibilidade (Texto do episódio de hoje):

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Olá, pessoal e feliz 2024 para você e sua família.

Eu sou Jefferson Sousa e este é o Sertão Sem Nó, podcast sobre memórias individuais e coletivas dos sertões nordestinos.


Em 2024, os nossos episódios vão ficar saindo nas sextas. Contamos com a sua curtida, compartilhamento do nosso trabalho e avaliação com cinco estrelas para nos ajudar a chegar em mais gente, principalmente agora que o nosso engajamento baixou um montão devido ao nosso período de recesso.


Demais avisos, apoiadores e outros agradecimentos vêm após a nossa história de hoje.


Que começa agora e é intitulada de O Boi Derradeiro


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Há registros da presente memória em diversas regiões interioranas de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, mas esta foi enviada de Matinhas, na região metropolitana de Campina Grande, no estado da Paraíba, porém, ao que tudo indica, o homem que acompanhou tudo de perto e passou a contá-la veio da região da cidade de Lastro, no sertão do mesmo estado.


Havia um pequeno pedaço de terra nas redondezas de uma cidadezinha no interior da Paraíba, pertencente a Seu Zé, que criava alguns poucos gados para o abate. Seu Zé era conhecido por sua integridade e amor ao próximo. Entre os tantos bois e vacas que, de pouco em pouco, passaram por sua criação, um único não encontrou a morte, o Boi que ele poupava por amor, por algo que seu coração não sabia explicar, o Boi Derradeiro. Isso mesmo, o nome do boi era Derradeiro, como um sinônimo de o último.


Todas as manhãs, Seu Zé acordava cedo para cuidar de seu pequeno rebanho. Certa manhã, ao se dirigir ao pasto, notou algo estranho: o Derradeiro estava agitado e parecia querer comunicar algo. Se aproximando, Seu Zé ouviu um murmúrio baixo e surpreendente vindo do Derradeiro, como se o animal estivesse tentando falar!


"'Môôônica', foi o que eu ouvi", dizia seu Zé aos colegas em uma feira de frutas próximo dali no dia seguinte. As gargalhadas das pessoas foram tão altas que os pássaros saíram voando das árvores e os cachorros de rua começaram a latir para eles com medo. Seu Zé foi vencido pela vergonha, convencendo-se de que, realmente, as pessoas estavam certas e ele estava ficando era louco. Animais não falavam, era absurdo!


Quando se aproximava de casa, viu a pequena filha do vizinho jogando pedras e cutucando o Boi Derradeiro com um pau. "Ei, pare com isso", gritava, ainda de fora da cerca. A menina, rindo, saiu correndo de volta para o sítio do seu pai. Apesar de amar Boi Derradeiro, Seu Zé riu da situação, que se repetia constantemente.


Atravessou a madrugada daquele dia olhando nos olhos de Derradeiro, no frio que só quem já ficou em um pasto de noite sabe como é difícil de aguentar. Esperava alguma resposta, algum mungido, seja o comum ou uma palavra, qualquer coisa já o deixaria feliz, mas nada aconteceu, apenas Derradeiro e ele ali, em silêncio, se encarando. Adormeceu de cansaço e acordou com um grito de desespero do vizinho que passava por perto de sua certa: "Mônica, você viu Mônica?".


Seu Zé, ainda meio tonto por acordar no susto, demorou para lembrar que Mônica era o nome da pequena filha do seu vizinho. Ela tinha sumido e o desespero do seu pai, Senhor Caetano, era contagiante, de embrulhar o estômago de todos que ouviam. Inclusive, naquela hora, Derradeiro cuspiu um pouco da grama que estava mastigando por horas na boca.


"O QUE FOI? POR QUE VOCÊ ESTÁ EM SILÊNCIO? VOCÊ SABE DE ALGO?" perguntava Caetano a Zé em tom agressivo. Zé, entre assustado e nervoso, começou a explicar que tinha ouvido o Boi Derradeiro chamar pelo nome de Mônica, mas antes de terminar a explicação, recebeu um soco no olho que fez o seu corpo ficar mais tonto do que quando acordou no susto.


"Respeite a minha dor, seu maluco, eu perdi a minha filha e você fica com essas brincadeiras", gritava Caetano, enquanto se afastava do Zé caído no chão.


Zé passou alguns minutos deitado, olhando para o céu e pensando naquilo tudo, quando ouviu o Boi Derradeiro mungir a palavra: "Mooonte".


Seu Zé se levantou rapidamente e virou-se para o seu amigo animal. Enquanto trocavam mais um longo olhar em total silêncio, Zé estava mais certo de que estava enlouquecendo. A quase certeza de sua loucura não o impediu de parar Paulino, o seu outro vizinho que ia passando, e contar toda a sua história até ali, que ouviu com atenção tudo. 


Em seguida, montou em sua moto velha e foi ao centro da cidade atrás de um padre ou de uma rezadeira para lhe fazer uma reza de afastamento daquela maluquice toda. Enquanto andava, estava pensando "montei na moto, era isso que o Boi Derradeiro quis dizer com o monte?", porém, ao passar por uma entrada de um sítio, viu o caminho que dava para um monte. 


- Uma explicação rápida aos ouvintes: a palavra Monte, para algumas regiões do Brasil, diz respeito à um local alto próximo à cidade, como uma pequena serra e, naquele momento, Zé associou o que Derradeiro supostamente tinha lhe dito.


Não pensou duas vezes e foi até o local. Chegando ao seu topo, viu Caetano com uma faca prestes a acabar com a vida da própria filha, Mônica, que tinha se escondido dele por lá.


A parte a seguir é deduzida pela população a partir do que foi encontrado naquele local, já que não houve testemunhas. Seu Zé atacou Caetano por trás, que, enquanto caía do empurrão, ainda conseguiu revidar e lhe acertar uma facada na altura da barriga. Caetano morreu da queda e a pequena Mônica desceu o monte correndo e gritando em busca de ajuda. Seu Zé ficou deitado no topo do monte olhando o céu enquanto tentava segurar o sangue que saía de sua barriga, igual os tantos bois que viu sangrar por sua faca ao longo da vida.


Seu Zé faleceu à espera de ajuda, que só chegou dias depois, quando moradores da região perceberam um acúmulo de urubus em volta do monte. Eles estavam comendo a carne do corpo de Seu Zé, de Caetano e, infelizmente, de Mônica, que, ao descer o monte rapidamente, tropeçou e caiu de cabeça em uma pedra, também vindo a óbito.


Paulino, que acompanhou tudo de perto, foi o responsável por associar tudo e contar a história. Algumas pessoas, após ouvirem as informações, se reuniram e foram ao sítio de Seu Zé a fim de matar o Boi Derradeiro, que, naquele momento, agora acreditavam ser um ser maligno, mas, chegando lá, não encontraram nenhum animal. Cabe a crença popular acreditar que o Boi Derradeiro causou tudo aquilo e depois fugiu ou simplesmente o roubaram após o sumiço de seu dono.


Outra versão da história, menos popular, é de que Caetano não estava tentando matar a filha, mas sim que Seu Zé estava louco e, ao encontrar Caetano e Mônica no topo do monte, ele atacou sem motivos o vizinho, talvez por vingança do soco que levou e das pedras que a pequena jogou contra Derradeiro, ocasionando, posteriormente, no fim dos três da forma que conhecemos.


Não tem como saber ao certo do que houve com os três. O que sabemos é que esta história, em tom de conto, foi repassada por gerações e, após o envio de Lucas Romano, que garante que o seu avô conheceu pessoalmente o senhor Paulino, que pudemos compartilhar aqui com você no nosso Sertão Sem Nó.


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Parafraseando Clara, da novela O Outro Lado do Paraíso, “Não imaginam o prazer que é estar de volta”. Brincadeiras à parte, o Sertão Sem Nó é muito importante para gente e para todas as pessoas que nos ouvem e que nos mandam as suas memórias, por isso vamosimbora por mais um ano juntinhos, a gente daqui trabalhando e você daí, se puder, compartilhando, mandando para as suas amizades, colocando nas redes. Obrigado pelo carinho.


Apoiando este projeto a partir de sete reais por mês via apoia.se/sertaosemno, agradeço nominalmente Danielle Moreira, Ana Marcato, Cristina Mari Ishida, Drica Dias, Andreia Gomes, Vitor Ribeiro, Regina Ribeiro, Jayme Ribeiro e Nathália Mitchell.


Um abração para a minha parceira de bancada de alguns episódios daqui do Sertão Sem Nó, a Vivi Maria, que estreou como poetisa glosadora em uma Mesa de Glosa do grupo poético Mulheres de Repente, no festival multicultural Festa de Louro.


Obrigado também a você que nos colocou no seu top Spotify 2023, foram mais de 400 pessoas e ficamos muito felizes pelo carinho.


Para enviar a sua história, ou para apoio momentâneo ou fixo a partir de sete reais por mês, ou para entrar nosso grupo gratuito do Telegram, ou nossas redes sociais, ou qualquer outro endereço eletrônico externo, é só conferir as informações que estão na descrição deste episódio.


Obrigado por ouvir até aqui e até a próxima sexta. Abração!: