#096 – Durante bastante tempo – tempo demais, acredito –, fomos seduzidos por filmes, youtubers e livros de desenvolvimento pessoal a uma cultura da produtividade como sinônimo de felicidade. A ideia central desta cultura consistia na crença de que é possível e necessário desenvolver métodos de comprimir atividades e dilatar o tempo para fazer caber mais – mais trabalho, mais faturamento, mais ambições. A obsessão dos “high achievers” era derivada de uma versão corrompida do já tresloucado fordismo, transferido para os trabalhadores do conhecimento e funcionários de escritório.
Na literatura e nos seus irmãos mais mundanos, como o jornalismo e a produção de conteúdo, a moda pegou. A ideia era a de que deveríamos nos forçar a produzir a partir de “sprints” de escrita, de que dava para inventar de modo sequencial e uniforme, de que certos sistemas de organização aumentariam o nosso leitorado. 5000 palavras por hora. Opiniões sobre tudo. Um livro por semestre. Um conteúdo por dia. Nos acostumamos aos reels, aos nuggets, aos drops como modos de transmissão. Tanto o fazer quanto o consumir se atomizaram. É assombroso como essa tendência foi antevista ainda mais cedo, por um outro filósofo, Walter Benjamin, que vai escrever em um dos seus textos clássicos: “Hoje, nada se faz que não possa ser abreviado.”
A reação não tardou a chegar e foi generalizada. Crises de burnout e depressão em todas as esferas da sociedade, o abuso de álcool e de opioides, e uma espécie de confirmação pela experiência de que uma quantidade maior de horas trabalhadas não correspondia a um aumento da produtividade. Passamos a estudar as aparências, mais do que as coisas: como “se sair bem” numa entrevista, como criar um perfil. O filme foi substituído pelo trailer. A paixão pelas teorias motivacionais. O livro pelo autor.
Já desde antes da pandemia, assistimos a um outro movimento, uma reação ao primeiro. Ele vai afirmar o contrário do que se dizia. Quer mais? Faça menos. Faça melhor. Seja mais inteligente. Pense grande. Ganhe fôlego. Esvazie-se para que algo novo possa surgir. As 50 horas de trabalho semanais são uma armadilha de subserviência e domesticação. Elas nos tornam repetitivos e apáticos. Se as pessoas tivessem mais tempo livre, elas renderiam mais. O único modo de saber para onde estamos indo é parar.
Obras como “A única coisa”, de Gary Keller e Jay Papasan, “Essencialismo”, de Greg McKeown ou “Não Faça Nada: a batalha pela economia da atenção”, de Jenny Odell, defendem isso. O fazer, pura e simplesmente, é uma forma de alienação. Fazer por fazer é uma tolice. Escolha aquilo que merece a sua atenção. Aquilo que você sabe fazer, que é reconhecido e que encontra aí a sua paixão. Há muita coisa interessante a depreender destes livros. Nada melhor que limpar a agenda: eliminar o supérfluo; automatizar (pelo hábito ou pela tecnologia) o recorrente; delegar o que não é seu e que outros fazem melhor do que você. Aplicando certa filosofia e orientação, vai caindo a ficha de que a maioria de nós nunca nos ensinou de fato a trabalhar (planejar, pensar atividades, combiná-las de modo integrado aos nossos ritmos internos).
Na escrita, a equivalência é a da escrita lenta. Nas redes, da produção lenta de conteúdo. Ao invés de pílulas, fragmentos, versões repetidas do que se viu por aí, concentre-se na singularidade. Tome o seu tempo. Não tenha pressa. Abandone de vez a comida processada e o conteúdo ultraprocessados das redes.
No episódio desta semana de Prelo, falo sobre “A lentidão como método” e a Escrita Lenta. É uma proposta de revisão do modo como estamos escrevendo, e de como você pode aplicá-lo na sua rotina. Está mais que na hora de escrevermos no nosso tempo. De aceitarmos a oscilação dos ritmos próprios.
Como disparador da conversa, valemo-nos da obra "Slow Productivity", de Cal Newport. O livro que citamos é "Dionisio em Berlim", da Quelônio.