Análise: Alemanha vive turbulência política após aproximação de direita com extrema direita


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Feb 03 2025 5 mins   3

Se a política alemã fosse medida pela escala Richter - aquela que calcula a intensidade dos terremotos -, ela certamente teria explodido na semana passada.

Flávio Aguiar, analista político

A semana passada começou com a comemoração na segunda-feira (27) dos 80 anos da libertação do campo de concentração nazista de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, pelo Exército Vermelho da União Soviética, em 1945. O assunto é delicado e sempre deixa os nervos germânicos à flor da pele.

Na quarta-feira (29), o parlamento alemão, o Bundestag, aprovou uma moção proposta pelo líder da oposição, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU, na sigla alemã), para que se endurecessem as leis e regras da imigração e concessão de asilo.

A moção vinha na esteira bastante emocional de crimes cujos acusados são imigrantes de países predominantemente muçulmanos. O primeiro ocorreu em dezembro do ano passado, quando um imigrante oriundo da Arábia Saudita usou um caminhão para atropelar frequentadores de uma feira de natal, em Magdeburgo, matando 6 pessoas e ferindo mais de 300.

O segundo aconteceu no dia 22 de janeiro, quando um imigrante vindo do Afeganistão atacou a facadas várias pessoas em Aschaffenburg, matando duas delas, inclusive um bebê de 2 anos, e ferindo outras três.

Tais acontecimentos atiçaram o fantasma do “terrorismo islâmico”, sempre assim chamado pelos xenófobos da extrema direita, embora até o momento tudo indique que tenham sido atos individuais de pessoas com problemas psiquiátricos.

A moção recebeu no Bundestag 348 votos a favor, 345 contra, dez abstenções e 30 ausências. Os votos decisivos para aprovar a iniciativa vieram dos deputados do partido Alternative für Deutschland (AfD), Alternativa para a Alemanha, de extrema direita. Alice Weidel, a líder do AfD no Parlamento, comemorou o resultado, dizendo que Merz lançara uma moção que, na verdade, pertenceria ao seu partido. Anteriormente, Merz declarara que faria tudo para que a moção fosse aprovada, mesmo que isto implicasse contar com votos do AfD.

Foi aí que o terremoto começou. Desde o fim da Segunda Guerra e do regime nazista firmou-se uma tradição entre os partidos tradicionais de não negociar com a extrema direita. Ela tem até um nome: “Brandmauer”, em referência a uma parede corta-fogo entre dois prédios geminados. E a disposição de Merz foi lida por muita gente como uma ruptura desta tradição.

As reações foram rápidas e veementes. Michel Friedman, influente membro da CDU, ex-presidente do Conselho Central de Judeus na Alemanha, anunciou que se desligava do partido. Albrecht Weinberg, de 99 anos, sobrevivente do Holocausto, ex-prisioneiro de Auschwitz, condecorado pelo governo alemão, disse que estava devolvendo a medalha por não aceitar a ruptura daquela tradição no Bundestag.

A ex-chanceler Angela Merkel saiu de seu silêncio obsequioso desde que renunciou ao cargo e à liderança do partido, criticando publicamente a atitude de Merz. O atual chanceler Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD) e políticos de outros partidos também criticaram Merz.

Em Berlim, uma gigantesca manifestação com milhares de pessoas repudiou a atitude de Merz e o AfD. Outros manifestantes acorreram à frente da sede da CDU, na Klingenhöferstrasse n° 8, pressionando o partido para rever sua posição.

O resultado foi contundente. Na sexta-feira (31), Merz apresentou a proposta de transformar a moção aprovada na quarta-feira em lei, agora com efeito vinculatório. O debate foi descrito na mídia como “acalorado”, “emocional”, “histórico”. E no final da tarde, computados os votos, constatou-se a derrota da proposta por 350 votos contrários, 338 a favor, cinco abstenções e 40 ausências. Apesar do voto ser secreto, ficou evidente que houvera ausências dentro do próprio partido de Merz.

Como ler esta sequência de eventos? Aparentemente, Friedrich Merz, candidato a chanceler, lançara um balão de ensaio, a fim de fortalecer sua posição de liderança a três semanas das eleições para o Bundestag. Nas pesquisas de intenção de voto a CDU aparece em primeiro lugar e o AfD em segundo. E outras pesquisas indicam que uma maioria de eleitores favorece uma maior rigidez quanto à imigração e à concessão de asilos.

Agora pairam dúvidas sobre como esta semana turbulenta poderá afetar ou não as eleições.